O princípio da noite foi um tanto tímido, e embora os portões estivessem abertos desde as 18h, o público foi chegando aos poucos, sobretudo no set do francês David Guetta. Empolgado no palco principal, o DJ abriu a minha noite ? e a de muitos ? com um som recheado de vocais melosos (e um pouco estranho aos ouvidos mais undergrounds).
Tido como um dos expoentes da cena house francesa por emplacar hits como ?Just a little more love?, ?Love don?t let me go? e ?People come people go?, Guetta fez um princípio de set irregular e apelativo para o house comercial, no estilo divas gritando (e atenção: qualquer semelhança com Celine Dion ou Whitney Houston é mera coincidência). O viés do francês mudou, contudo, na parte final da sua apresentação: abusando de vocais robotizados e das batidas electro mescladas a um house mais coerente, fez a pista ? até então morna ? se soltar mais. Quase no final, de súbito, o DJ francês solta a jurássica e noir ?Sweet Dreams?, do Eurythmics original, sem remix. O público respondeu entoando a canção palavra por palavra. Delírio. O fim do set veio, então, com a faixa seguinte, talvez sua produção mais conhecida: ?The world is mine?. ?You took the price and realize/That to your eyes (the world is mine)?, cantarola um trecho da letra. Bonito desfecho.
Na tenda Skol Club, o DJ inglês Danny Howells já iniciara sua apresentação. Também animado, fez um set impecável e versátil, a princípio house, para logo em seguida, em uma transição quase imperceptível, aumentar a velocidade das faixas. Era o techno na mais pura essência ? com direito a duas faixas do DJ e produtor sueco Adam Beyer, que esteve recentemente em Curitiba. Dançante e alegre, arrancando sorrisos de uns e urros de outros, Howells fez jus às sua própria definição do estilo que toca: ?profundo, sexy, futurístico, techno, funky, house?. Sem sombra de dúvidas, uma das melhores apresentações da noite.
Danny Howells deixou a pista em ebulição para lenda houseira mais aguardada do festival. Egresso do Brooklyn, o outro Danny tinha muita história para contar. Trata-se de Danny Tenaglia, conhecido pela vasta bagagem musical. Prova disso foram quatro horas do seu long set de house, o que lhe deu direito a flertes com algumas faixas de techno. Munido de um repertório ímpar e técnica precisa, Tenaglia mostrou porque integra o seleto clube de DJs que fazem sets longos. O final, no entanto, foi um pouco morno e burocrático, o que não denegriu o conjunto da obra. Apresentação edificante.
Mas confesso que fugi um pouco do house nova-iorquino para conferir o live P.A. do Infusion. E não me arrependi. A apresentação do trio australiano foi, absolutamente, a jóia da coroa. Frank Xavier, Manuel Sharrad e Jamie Stevens estavam animadíssimos. Bebendo bastante cerveja, alternavam os vocais, e nos hiatos entre as músicas, conversavam com o público. Vez ou outra emitiam um ?obrrrrigado, Curritchiba!?, ?Brééézil!?, enquanto pulavam e dançavam. A festa era deles. Recheado de nuances sonoras que lembram muito o aclamado duo Underworld, e visualmente parecidos com o Chemical Brothers em virtude do telão do palco, o Infusion fez a pista dar pulos, bater palmas, literalmente sacolejar naquela que é considerada a tendência para os próximos rumos da trajetória da música eletrônica: a fusão com o rock. O público pediu bis, e eles voltaram. Esse sincretismo de eletrônica e rock, aliado às imagens do telão e ao entrosamento do público com o trio, se resume em duas palavras: sinestesia pura.
A outra atração exponencial do evento era um dos braços do duo Inner City. O dinossauro da escola de Detroit, Kevin Saunderson, um dos mentores do techno, nome legendário, fez uma apresentação que destoa do seu currículo. O repertório bom, com faixas ?detroitianas? na acepção máxima da palavra, não compensou as mixagens sofríveis. De qualquer forma, foi interessante e histórico assistir aquele que, junto a Derrick May e Juan Atkins, concebeu e fez transitar, do gueto ao globo, o que conhecemos hoje por techno.
As críticas ao evento ficam em três quesitos. A primeira se relaciona à proximidade das duas tendas, que incomodou quem optasse por ficar mais à esquerda no palco principal, uma vez que o som da Skol Club era perfeitamente audível lá. Fica a sugestão para a organização do evento de distanciar mais as tendas nas próximas edições, pois o espaço do Autódromo permite este arranjo. Outra observação é relativa à área vip, que ocupava a parte frontal da pista, dividindo o público que pagou menos dos que têm mais poder aquisitivo. Segregar uma pista de dança pode até funcionar nos shows de rock, mas é deplorável na música eletrônica que, supostamente, sobrevive sob a égide do P.L.U.R (peace, love, unity, respect). A última questão se refere à cabine técnica, que gerou um ?degrau? de madeira nos fundos do palco principal, onde as pessoas transitavam. Foi reclamação geral que ouvi de muitos, e tropeços que vi de outros tantos.
O que parece é que a Essential Eventos amadureceu e consolidou um padrão de qualidade notável na produção de eventos eletrônicos de grande porte, priorizando itens estruturais essenciais e elementares como o sound system e a escolha de um bom line up para as festas, mesmo que, ainda, se dê espaço para o jabá. Com certeza, o festival foi um dos melhores do Brasil, e coloca Curitiba como referência nacional para a música eletrônica do mundo.