Você pode nunca ter se divertido com as caras e bocas de Nego do Borel no clipe de Você Partiu Meu Coração, não ter ouvido o refrão de Contatinho nem ter dançado ao som de Não me Deixe Sozinho. Mas saiba que o vídeo de Corazón, a versão em espanhol da primeira música, parceria do cantor carioca com o colombiano Maluma, é a mais ouvida há duas semanas no YouTube mundial – desde o lançamento, mês passado, teve 400 milhões de visualizações (se fossem pessoas, equivaleriam a mais do que toda a população dos Estados Unidos).
Os números que marcam a carreira de oito anos do jovem saído do morro da zona norte do Rio que lhe serve de alcunha são diretamente proporcionais à sua disposição para seguir rumo ao topo do mundo pop. Atualmente na 87ª colocação da lista Hot 100 da revista Billboard, dos EUA, que lista as mais vendidas da semana, e entre as 15 mais ouvidas do Spotify (é o brasileiro mais bem posicionado), Corazón é encarada como o passaporte de Nego para a carreira internacional que quer perseguir. Caminha os passos da amiga Anitta, que participa da versão original, dividida também com Wesley Safadão.
“É mais um degrau que eu subo, outro patamar. Uma oportunidade que veio rápido e que abracei”, diz Nego, em entrevista em sua casa, no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio, a mais de 30 quilômetros da favela. “Tenho disposição, estou muito acostumado. São seis anos direto viajando para fazer shows. Estou tendo aulas de inglês e ainda me lembro de algumas coisas que aprendi no Ciep (escola pública integral) do Borel. Acho que tenho muita facilidade.”
A ideia de verter Corazón foi da Sony, gravadora dele e de Maluma – que já havia dividido Sim ou Não com Anitta em 2017. Você Partiu Meu Coração, lançada há 11 meses e com mais de 300 milhões de visualizações, já era um sucesso nacional, e o mesmo produtor, Umberto Tavares, a transformou no reggaeton agora ouvido o dia inteiro por latinos e americanos.
“É um feito e tanto, fenômeno que acontece de tempos em tempos, como foi com o Ai Se Eu te Pego do Michel Teló”, aponta Tavares, produtor e autor da música, com Romeu R3 e Jefferson Junior. “Não é comum músicas em português estourarem. Estou sendo surpreendido por coisas surreais, como os covers feitos no mundo todo e a paródia feito pelo San Lorenzo, time da Argentina. Não tem explicação”, diz ainda o produtor.
Os dois estão juntos desde Não me Deixe Sozinho, o single de Umberto e Jefferson Junior, do segundo CD do cantor (Nego Resolve, de 2015), que ampliou o público de Nego e o tirou no nicho do funk, o fazendo “descer para a pista”. Ele seguiu o caminho pouco antes trilhado por Anitta e também por Ludmilla, outras artistas cariocas cujo “reposicionamento” tem o dedo de Tavares. São dele Bang e Blá Blá Blá, da primeira, e Hoje e Bom, da segunda, entre outros muitos sucessos do funk pop nascido no Rio.
Parceiro de Maiara e Maraisa em Esqueci Como Namora, hit do ano passado, e de Luan Santana no recém-lançado Contatinho, ele acredita no poder dessas participações para ampliar ainda mais sua interlocução com o público. São formas de alcançar o Nordeste, por exemplo, onde a penetração do ritmo carioca é mais difícil.
Para Nego, que segue cantando o funk do morro em seus shows – inclusive clássicos de MCs como William e Duda, Buchecha e Marcinho, ídolos de sua geração -, a vereda para o pop não é sem volta. “Daqui a pouco eu posso cantar um batidão, um funkão de favela”, explica o cantor, que não deixa de visitar o Borel, onde vivem amigos e o padrasto, que foi flanelinha. No Dia das Crianças, ele distribuiu presentes para os pequenos; sempre que pode, leva companheiros famosos para inspirar os moradores, “que se sentem largados” pelo poder público.
“Eu poderia estar querendo usufruir mais do meu sucesso e do meu dinheiro, mas só quero trabalhar, me manter e ajudar minha família. A gente passou muita necessidade, muitas vezes almoçava e não jantava, comia só um pão”, conta o cantor, que tem na avó, ex-empregada doméstica, seu xodó – “é um amor da vida, a juíza da família.” A mãe vive com ele na casa do Recreio. “Esse mundo é difícil, preciso de alguém para desabafar, chorar”, justifica.
Batizado de Leno Maycon em homenagem a John Lennon e Michael Jackson, Nego do Borel vive seu sonho no dia a dia. “Na comunidade, os adolescentes veem a ostentação do tráfico, o ouro, o carro, as mulheres bonitas, e é difícil tirar isso da cabeça deles. A falta de emprego e toda a roubalheira que a gente vê dos políticos não ajudam. Na escola, os professores faltam porque não têm dinheiro para ir trabalhar”, critica, sabendo-se um modelo para os seu pares. “É muito difícil ser um exemplo, até porque sou muito novo (25 anos) e tenho falhas. Todas as dificuldades que eu passei me ajudam a ter mais tranquilidade hoje. Se não fosse isso, estaria mais doido”, acrescenta.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.