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Coração selvagem

Morreu na noite de sábado, 29, aos 70 anos, o cantor e compositor Belchior, em Santa Cruz, cidade do Rio Grande do Sul. O corpo chegaria em Fortaleza nesta segunda-feira, 1º de maio, por volta das 5 horas. Ele será velado em Sobral, das 7 horas às 10 horas, no Teatro São João. Das 12 horas de segunda às 7 horas de terça, um novo velório ocorre no Centro Cultural Dragão do Mar, na capital cearense, seguido de missa de corpo presente e, em seguida, segue para o Cemitério Parque da Paz, em carro aberto do corpo de bombeiros, onde será o sepultamento, às 9 horas.

A causa da morte foi o rompimento de uma das paredes da artéria aorta. Quem determinou foi o médico legista Mário Both, do IML (Instituto Médico Legal) da cidade gaúcha de Cachoeira do Sul. A informação foi confirmada pelo delegado de polícia Luciano Menezes, de Santa Cruz do Sul. O termo técnico utilizado no laudo é dissecção da aorta. O corpo de Belchior foi embalsamado na cidade de Venâncio Aires, antes de seguir viagem para o Ceará.

Belchior vivia na Residência Bom Padrão, no bairro Santo Inácio, na cidade a 150 km de Porto Alegre, recluso. Alguns vizinhos, inclusive, nem sabiam que ele morava no local. Entretanto, sabe-se que o cantor possuía amigos na cidade, como o jornalista Dogival Duarte. “Ele estava bem, mas bastante magro”, disse Duarte ao jornal O Estado de S. Paulo. Os dois se viram há um mês.

Segundo Duarte, há mais de um ano e meio Belchior estava na cidade. A casa em que morava com a companheira, Edna Prometheu, foi conseguida por intermédio dele. O escritor revela que Belchior vivia com ajuda dos amigos. “Ele não precisava de muito dinheiro e também não fazia questão de ter. Os amigos sustentavam ele por onde ele estava, era hospedado como visita. Passou um ano na minha casa tendo tudo.”

Para Duarte, o autoisolamento de Belchior foi proposital, mas acabou se prolongando. “Ele parecia um monge, queria ler, se reciclar. Mas acabou passando tempo demais nesse intervalo.”

Vida

O cantor nasceu em Sobral, Ceará, em 26 de outubro de 1946, e depois de ser programador de rádio na cidade se mudou para Fortaleza para estudar filosofia e humanidades. Mudou para um curso de medicina, mas abandonou a faculdade e passou a perseguir a carreira artística.

Os grandes discos de Belchior são os cinco primeiros, gravados entre 1974 e 1979. Depois de um compacto na Copacabana com Na Hora do Almoço em 1971, ele foi contratado pela Chantecler para o primeiro álbum, de repercussão modesta, em que a experimentação com a poesia concreta se destaca. Em Mote e Glosa, Belchior pergunta: “Você que é muito vivo me diga qual é o novo”. Ele representava uma geração que pretendia romper com a MPB de maneira provocadora.

Com Alucinação (1976), Belchior chega ao auge criativo. O produtor Marco Mazzola, que teve de enfrentar a direção da PolyGram para conseguir fazer o disco, chamou grandes músicos de estúdio que entenderam a poética do cearense e sua estética sonora não convencional, que misturava Luiz Gonzaga e Bob Dylan.

Com arranjos de José Roberto Bertrami, canções como Velha Roupa Colorida e Como Nossos Pais, lançadas por Elis Regina, têm peso e força também sustentadas pelo instrumental. A partir daí, Belchior conquistou seu lugar. Naquele ano de 1976, poderia tanto cantar para a plateia popular de Silvio Santos à tarde e à noite fazer um show para universitários. Ele representava o homem do povo que, finalmente, estava onde queria.

O álbum seguinte, Coração Selvagem (1977), mantém o padrão do anterior, também sob a batuta de Mazzola. Ainda mais interessante é Todos Os Sentidos (1978), que mostra um artista fascinado pelo advento da disco music em duas faixas, Corpos Terrestres, com participação das Frenéticas, e Como Se Fosse Pecado. O grande hit, no entanto, foi Divina Comédia Humana. O Brasil inteiro cantou uma música que fazia referência ao poema de Dante Alighieri.

Finalmente, em Era Uma Vez Um Homem e Seu Tempo (1979), Belchior lança seu último grande sucesso popular, Medo de Avião. Mas também estão ali Pequeno Perfil de Um Cidadão Comum, feita com Toquinho, e Comentário a Respeito de John, escrita com José Luiz Penna. Nos anos 1980, seus trabalhos têm menor repercussão, mas não são menos instigantes.

Cenas do Próximo Capítulo (1984) flerta descaradamente com a new wave e Melodrama (1987) mostra um compositor em forma, em um álbum elogiado à época pela imprensa. A partir de 1995, com Um Concerto Bárbaro, Belchior começa a regravar sua obra indiscriminadamente, em projetos repetitivos.

Sumiço

Em 2006, o cantor sumiu sem deixar muitos vestígios. Belchior deixou o flat onde morava com a mulher Ângela Margareth Henman Belchior e os dois filhos na zona sul da capital paulista no final de 2006, quando problemas financeiros ficaram intensos. Ele também abandonou dois carros, que até o ano passado acumulavam dívidas de mais de R$ 200 mil.

A última entrevista conhecida de Belchior foi dada ao Fantástico, da TV Globo, em agosto de 2009 – talvez sua última aparição pública. Na ocasião, ele negou o desaparecimento e se recusou a falar sobre as dívidas no Brasil, que agora também envolviam pensões para os filhos.

Na mesma matéria, Belchior declarou que vivia em São Paulo e também prometeu um disco de inéditas. “Com certeza eu vou de volta para a minha cidade amada, para os lugares mais queridos do Brasil, vou fazer show, vou soltar um disco com canções novas”, disse. “Eu sempre estou voltando para o Brasil”, concluiu. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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