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Conto de amor com boa dose de ácido sulfúrico

Um casamento que dura 45 anos, com marido e mulher em doce convivência afetiva e intelectual, apesar de alguns atritos, etc. Dito assim, Monsieur & Madame Adelman, de Nicolas Bedos, parece uma grande história de amor. Pode até ser isso, e é mesmo, desde que você conceda que histórias de amor possam conter também uma dose sulfúrica de incorreção política e a acidez de um limão verde.

A história dos Adelman é contada em flashback. Sarah (Doria Tiller), relata em entrevista a um jornalista (Antoine Gouy) como foi a sua vida com o célebre escritor Victor Adelman, interpretado pelo próprio diretor Bedos. Conta tudo, do namoro complicado ao controverso ato final, enquanto do lado de fora da casa rola uma cerimônia em homenagem ao finado. E, nas rodinhas de conversa de amigos, em voz baixa fala-se das circunstâncias suspeitas do desaparecimento de Victor.

No ato de contar a história ao jornalista, Sarah evoca a juventude tempestuosa, com Victor tentando se impor no ultracompetitivo meio literário francês. Fala também, sem rodeios, dos artifícios usados para conquistar o arredio candidato a escritor. A trama é pontuada por diálogos ácidos e inteligentes. Não faltam as rivalidades e a inveja em relação aos que já se deram bem no métier. Não falta a inevitável figura de um psicanalista e nem mesmo o meio familiar judaico, do qual brota o humor autodepreciativo mais inteligente do mundo.

Se você pensou em Woody Allen, pensou bem. Há um perceptível diálogo entre o parisiense e o nova-iorquino, sem que isso implique imitação. É mais o reconhecimento de uma influência. E Bedos vai um tanto além do colega e mestre, tocando em pontos de incorreção política muito complicados, como a rejeição explícita a um filho doente, por exemplo.

Enfim, bem movimentado, finamente escrito e interpretado, Monsieur & Madame Adelman é aquele tipo de filme para adultos que desejam rir, mas suportam bem os limites e os desajustes da nossa humana condição. Não é perfeito. Longe disso. O cuidado em reservar muitas surpresas para o final, por paradoxo, o enfraquece um pouco. A incorreção política, em geral estimulante neste mundo chato e hipócrita, quando em excesso também pode desandar. É um tempero a ser usado com mão leve. Nada disso impede que o espectador se divirta ou se sinta estimulado a pensar – esse prazer raro, solitário e cada vez menos praticado.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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