Conquista gremista vira documentário

Arquivo/O Estado
O garoto Anderson, revelado nas categorias de base do Grêmio, foi o herói daquela tarde de sábado.

São Paulo – A Batalha dos Aflitos tem grandes méritos e alguns problemas. Um deles é o fato de Fernanda Lima dar seu depoimento só depois de 50 minutos de filme. Até então, cansa um pouco diretor de futebol, torcedor, jogador, torcedor, diretor e ex-treinador falando, em enquadramento de mesa redonda.

Se o leitor não é gremista, mas gosta de bola, certamente lembra dessa partida. Foi em 26 de novembro de 2005. O Grêmio tinha caído para a 2.ª divisão do campeonato brasileiro, uma vergonha histórica aos olhos dos torcedores, e precisava se levantar a qualquer custo. O documentário mostra os percalços desse soerguimento, de partidas enlameadas em Florianópolis, contra o Avaí, a revezes inesperados em Goiás, contra o Anapolina. Finalmente, chega-se a um quadrangular decisivo, no qual o Grêmio se bate contra dois times pernambucanos, o Náutico e o Santa Cruz, e um paulista, a Portuguesa.

A última rodada mostra o Grêmio com a chance de subir de status apenas empatando com o Náutico, no Estádio dos Aflitos, em Recife. Mas as coisas nem sempre são simples no futebol. Quase ao fim da partida, o juiz marca um pênalti contra o Grêmio (o segundo do jogo. No primeiro tempo, o time pernambucano já havia errado um). Os jogadores se desesperam, o time tem quatro jogadores expulsos. O técnico examina a possibilidade de abandonar o jogo, mas prefere seguir em frente. Um gremista tira a bola da mão do juiz e é expulso. Outro escava a marca do pênalti para dificultar a cobrança do Náutico, e recebe amarelo. Mas o jovem goleiro gremista, ao final de tudo, defende o pênalti. Na seqüência, após 61 minutos de batalha, o jovem Anderson dribla dois jogadores do Náutico dentro da área e faz o gol, e o Grêmio vence e sobe para a ambicionada Primeira Divisão.

Arquivo/O Estado
Fernanda Lima também dá seu depoimento sobre o feito tricolor.

Fala-se o tempo todo em estratégias desonestas, extra-campo, do Náutico. Mas ninguém lembra que o Grêmio levou oficiais da PM de Porto Alegre para Recife em sua segurança privada. Fala-se em destempero do juiz, mas o fato é que ele ainda deveria ter expulsado um gremistas que chutou sua perna, e não o fez, e deixou de marcar um pênalti do goleiro Galatto. O heroísmo parece dispensar o interesse pela verdade histórica.

Um time com 7 jogadores em campo derrota um outro completo, no campo do adversário, à frente de 20 mil gargantas. Um drama fascinante. Mas tudo é narrado com cartesianismo excessivo. Tudo é meio careta, quadradinho. Nenhum trunfo exclusivo, imagens emprestadas da TV. Entrevista-se só gremista, e ninguém vai atrás dos ?secadores? da torcida adversária, a do Inter, um contraponto divertido.

O roteirista, Eduardo Bueno, o ?Peninha?, disse provocativamente em um livro que ?futebol-arte é coisa de veado? encadeando discussão sobre os motivos que fazem seu Grêmio ser a antítese dessa ambição frozô nacional: em lugar do artesanato, força, raça, predestinação, sangue, hombridade. A Batalha dos Aflitos se sustenta nessa tese de predestinação macha, e o narrador em dado momento fala da ?alma castelhana? do time. Mas, machos e maneiristas à parte, foi mais emocionante ver o jogo naquela tarde de novembro do que revê-lo emoldurado pelo fanatismo desbragado de torcedores ilustres.

SERVIÇO

?Inacreditável – A Batalha dos Aflitos? (Br/2006, 87 min.) – Documentário. Dir. Beto Souza. Livre. Cotação: Regular.

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