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Conhecer o hábito de leitura vai levar à estabilização do mercado

ENTREVISTA

ROBERT DARNTON, historiador

Em 2009, o americano Robert Darnton, então diretor da Biblioteca de Harvard, lançou A Questão do Livro, uma coletânea de ensaios sobre passado, presente e futuro deste que é um de seus principais objetos de estudo. À época, o e-book ganhava força nos Estados Unidos e já chamava a atenção de editores de outros países. Aposentado há um ano, ele segue interessado no tema – tanto que entrega, na próxima semana, o original de A Literary Tour de France, sobre o livro e seu mercado no século 18, e será o principal nome do 6.º Congresso do Livro Digital, dia 25.

Nesta entrevista ao Caderno 2, do jornal O Estado de S. Paulo, ele atualiza algumas questões de sua obra e reafirma que o futuro será mesmo digital.

Há tempos o senhor pesquisa a história do livro. O que, deste momento que estamos vivendo, deve entrar para a história?

A mudança mais óbvia é a tecnológica. A internet transformou o modo como os livros são produzidos, vendidos e lidos. As mudanças que começaram em 1991, com o desenvolvimento da internet, são tão grandiosas quanto às da Era Gutenberg. E elas continuam. Não é exagero dizer que o mundo do livro está passando por sua maior transformação em 500 anos. É excitante e ameaçador para profissionais do livro, mas, para mim, é um tempo de grandes oportunidades.

Quando o senhor lançou A Questão do Livro, discutia-se o futuro do livro diante do crescimento do e-book – e os mais catastróficos falavam no seu fim. Lá se vão 7 anos e há quem fale, agora, na morte do livro digital. Como o senhor avalia esses últimos anos no que diz respeito às ameaças do digital ao físico e às ameaças da conjuntura ao digital?

As pessoas amam fazer declarações dramáticas como essas e sobre a obsolescência das bibliotecas, e isso entra na imaginação de outras pessoas. Mas são afirmações imprecisas. No geral, penso que a situação dos livros, impressos e digitais, é melhor hoje que há 10 anos. E também as bibliotecas, pelo menos nos EUA, estão num ótimo momento e se tornando mais importantes do que nunca. Sobre a morte do e-book, e eu só posso dizer isso por informações dos EUA, sabemos que a venda do digital diminuiu cerca de 10%. A estatística é acompanhada de outra informação interessante. Houve um aumento do número de livrarias independentes – e elas só vendem obras impressas. Podemos dizer que houve um revival do livro impresso, mas isso não sinaliza uma transformação para o mercado de e-books. Depois de um período de fascinação com o e-book, tudo está se estabilizando agora, o que quer dizer que a demanda é estável. Além disso, é provável que seja verdade que diferentes tipos de leitura requeiram diferentes tipos de livros. As pessoas estão lendo mais literatura light em e-readers e o impresso tende a atrair e estimular leituras mais profundas. Admito que o pensamento é simples. O que acontece é que se está tentando conhecer os hábitos de leitura. Como resultado, podemos ter uma espécie de estabilização do mercado no lugar do desaparecimento do e-book, que continua indo bem.

Então ainda não é o momento de desanimar?

Pelo contrário. Há informações de que a venda de um e-book pode favorecer a venda de sua versão impressa e isso é fascinante. Um dos problemas que todos os editores enfrentam é como fazer com que a informação sobre seu livro chegue ao leitor no cenário em que há menos revistas e jornais publicando resenhas e em que as livrarias podem exibir um número limitado de livros. Então ocorre um processo que chamo de degustação. As pessoas podem ler um pouco do livro online para decidir se vão comprar ou não. As editoras estão descobrindo que podem ganhar dinheiro oferecendo gratuitamente um livro na internet e depois vendendo o exemplar em livrarias. Não deve ser verdade sempre e nem em todos os lugares, mas é um exemplo de como podemos ser otimistas sobre o futuro do livro em geral.

Muito se discute, também, se a informação é assimilada de forma mais superficial.

Minha intuição é que as pessoas usam aparelhos eletrônicos para literatura de entretenimento, mas não é verdade que elas nunca os usam para ler literatura séria. O problema é que é muito difícil anotar em livros digitais. Além disso, o antiquado codex é uma das maiores invenções de todos os tempos e já provou o quão eficiente ele ainda é. Outra coisa interessante: descobrimos que, nos EUA, a venda de livros impressos aumentou e que algo como 310 mil novos títulos foram lançados no ano passado nos EUA; de e-books, foram cerca de 700 mil, e muitos deles eram gratuitos. Isso quer dizer que as pessoas estão publicando mais porque é mais fácil. Temos uma democratização do mundo dos autores e dos leitores. As coisas estão mudando de um jeito muito interessante.

O fato de os e-books serem mais baratos ou gratuitos desvaloriza o produto ou ajuda a promover o acesso à leitura?

Há alguma verdade nisso de as pessoas não valorizarem o que podem ter gratuitamente. Mas o que acontece é que um público mais amplo está tendo acesso a livros graças a plataformas de acesso livre e às novas tecnologias. Um bom exemplo é o projeto SimplyE, parceria entre a Biblioteca Pública de Nova York e a Biblioteca Pública Digital da América. Ele torna livre o acesso a livros por crianças e jovens ao redor do país. Pessoas de áreas mais pobres podem, agora, ter livros gratuitamente e ler. Editores querem seus títulos no projeto porque ele vai espalhar o hábito da leitura. E mais: as editoras não estão perdendo dinheiro porque essas pessoas não compravam livros. O público leitor está sendo ampliado graças ao livro digital.

Como o senhor vê o mercado editorial hoje?

Não há muita diferença entre os livros que estão sendo publicados hoje e os do passado. A leitura está se tornando mais superficial com a disseminação do e-book? Bem, talvez sim, talvez não. Alguns dos argumentos não me convencem, sobretudo o que finge ser baseado em artigos científicos sobre como o cérebro funciona. Dizem que ler coisas online e nos tablets nos deixa mais burros. Honestamente, não acho que já sabemos como o cérebro funciona para termos uma certeza assim.

É preferível ler qualquer coisa a não ler nada?

Uma vida sem leitura é triste. E não lendo nada seríamos cortados de boa parte de nossa cultura. A importância de democratizar o acesso por meio da internet me parece central.

Como fazer isso?

Deveria haver mais apoio público às bibliotecas e elas deveriam se tornar centros eletrônicos de difusão da literatura. Fácil de dizer, difícil de executar. O potencial está lá. Alguém deve assumir a liderança e convencer governos a dedicar mais atenção a isso. Não se trata de uma ideia ingênua. Estamos descobrindo que podem haver consequências econômicas se tivermos maior e melhor acesso a livros e artigos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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