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Conheça o afrofuturismo, movimento presente em ‘Pantera Negra’

No filme Pantera Negra, a ancestralidade africana unida às tecnologias futuristas da nação Wakanda dialogam com o movimento afrofuturista. O termo, cunhado e teorizado na década de 1990, manifesta-se em diferentes áreas – como música, literatura, moda e cinema – e traz uma proposta tão simples quanto complexa: pensar em um futuro em que pessoas negras existem.

Pense bem: quantos personagens negros protagonistas estão nas histórias tradicionais de ficção científica que você conhece? Exceto, talvez, pela recente produção da Marvel, poucos ou nenhum.

“É uma construção da sociedade, do imaginário, e tem a ver com o racismo que está institucionalizado e enraizado”, explica a pesquisadora e crítica de cinema Kênia Freitas.

Segundo ela, imaginar futuros da ficção em que pessoas negras existem é uma subversão. “Parece besteira, mas não é. Elas têm menos perspectiva de presente, o que leva a menos perspectiva de futuro”, completa e cita, como exemplo, o maior índice de violência e morte entre negros.

O afrofuturismo vem para quebrar com esse paradigma e valorizar a cultura africana negra ao pegar elementos do passado para criar mundos futuros avançados. No presente, o termo vira movimento quando é adotado como ponto de partida para diversas criações, analisa Kênia.

“Tem um aspecto estético para alguns, tem gente que pensa mais no caráter político, que traria discussões mais políticas”, diz a pesquisadora. Originalmente, o termo nasce a partir de uma análise da cena cultural-literária dos Estados Unidos quando o crítico Mark Dery questiona a ausência de autores afro-americanos na ficção científica.

“A ficção especulativa que trata dos temas afro-americanos e aborda as preocupações afro-americanas no contexto da tecnocultura do século 20 (…) pode, por falta de um melhor termo, ser chamada afrofuturismo”, definiu Dery no ensaio Black to the Future, publicado em 1994 no livro Flame Wars: O Discurso da Cibercultura.

Cenário nacional

A pesquisadora Kênia, que em 2015 organizou e fez a curadoria de uma mostra afrofuturista em São Paulo, cita algumas produções dentro dessa ótica no País, mas afirma que ainda não é algo muito popular.

Apesar disso, ela avalia que não se trata de um movimento exclusivo da comunidade negra – embora se paute nela. “Está muito relacionado à estética negra mais contemporânea, da lacração, do tombamento. Pessoas muito diferentes entram [no movimento], gostam, usam e se inspiram”, diz.

Popularizado por Karol Conka, o tombamento reforça a identidade negra por meio da estética, com batons metálicos e tranças coloridas aliadas a referências tribais africanas. Kênia cita o grupo musical Senzala Hi-Tech que, segundo se descreve, une “os tambores e demais adereços rústicos e analógicos ao som digital da batida do hip hop e demais interferências eletrônicas”.

Por ter nascido nos Estados Unidos, o movimento tende a ser mais organizado e consolidado no exterior, mas os trabalhos brasileiros dão visibilidade para atrair mais pessoas. “Vai crescer cada vez mais e acho que mais artistas negros vão se identificar nesse lugar que é um lugar muito nosso mesmo”, afirma Zaika dos Santos, artista afrofuturista que desenvolve diversos projetos na área.

Música. Mineira de Belo Horizonte, a multiartista Zaika dos Santos estuda Artes Plásticas e pesquisa arte africana negra e afrodiaspórica. Ao estudar a cultura Nok, conheceu o afrofuturismo e, desde então, tem diversas criações nessa estética, dentro e fora da academia.

Um deles é Akofena (que significa justiça), segundo disco da cantora que será lançado no próximo semestre. “Visto que meu trabalho musical é conceituado na música eletrônica, construí um universo sonoro e visual que dialoga com o afrofuturismo”, explica.

No single Fluxos, a batida eletrônica tem cara futurista e conversa também, segundo ela, com o território popular da música afro-brasileira.

Arte visual. Cheia de projetos, Zaika também desenvolve um trabalho voltado para pintura, fotografia, gravura e performance em um contexto da África negra diaspórica afrofuturista. Em Nok é Nagô, ela também usa o próprio corpo como expressão artística.

Literatura. Referência na ficção científica afrofuturista brasileira, o escritor Fábio Kabral conheceu o movimento após ter lançado Ritos de Passagem, livro baseado no imaginário do continente africano.

“Isso me levou a escrever outra história, pensando no que significa afrofuturismo. Fiz o que eu achava que era a partir da minha vivência como homem negro, nerd, que sempre gostou de gibi, RPG [Role-Playing Game] e misturei com minha vivência no candomblé”, explica sobre o Caçador Cibernético da Rua 13. Conheça mais sobre os livros dele neste link.

Para Kabral, o afrofuturismo é um movimento artístico no qual produziria histórias “naturalmente, independente de qualquer rótulo”. É também, segundo ele, uma forma de reconhecer e devolver a humanidade e a inteligência dos povos negros africanos.

“A importância [do afrofuturismo] para mim, primeiro, é mostrar para as pessoas pretas do mundo e do Brasil que elas são capazes de fazer [arte] apesar da falta de incentivo”, diz. Ele também reforça a ideia de que o movimento não se restringe aos negros.

“Arte considerada afrofuturista é para todos desfrutarem. Não tem distinção. Meu livro é para todos lerem: pretos, brancos, asiáticos, qualquer um. Ainda assim, alguém vai associar a algum lado político neste momento de polarização extremada em que vivemos, mas os livros, a literatura, eu faço para todos”, afirma.

Para conhecer mais A youtuber Nátaly Neri apresentou o afrofuturismo em um TEDx Talks em que fala como conheceu o movimento e explica por que ele é importante para as gerações atuais. Mais do que falar sobre um mundo fictício, ela acredita que pensar em pessoas negras no futuro é criar esperança no presente.

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