Confessionário pós-moderno

São Paulo – Nos filmes menos ambiciosos, em termos intelectuais, Joel Schumacher consegue ser divertido: Batman e Robin subverte pelo colorido as narrativas darks de Tim Burton, Tempo de Matar também põe em xeque a moral tradicional, ao contar a história de um assassino assumido. São filmes sobre a morte – todos os filmes de Schumacher são sobre a morte, ele confessou à reportagem, na entrevista que deu durante uma visita a São Paulo. A morte prematura do pai marcou a infância. Esses filmes podem ser ambiciosos como produção, mas são menos ambiciosos, intelectualmente, do que filmes mais decepcionantes de Schumacher, como 8 mm, sobre os sniff movies, e agora Por um Fio. São obras feitas para que o diretor faça os comentários sobre a vida e o mundo modernos.O filme que estreou neste feriado põe o personagem interpretado por Colin Farrell numa situação limite. É o ator de A Caminho da Guerra (Tigerland), do próprio Schumacher, lançado só em vídeo no País. Chama-se Stuart Shepherd e, logo no começo, está em plena rua, ao telefone. Stu é uma dessas milhões de pessoas que falam compulsivamente ao celular. Como agente, vende mentiras. Antes mesmo que ele apareça em cena, Schumacher falou sobre essa importância do telefone na vida das pessoas. E até já mostrou o que será o cenário quase único de toda a ação: uma cabine telefônica em Nova York, numa rua movimentada. É lá que Stu atende a uma chamada e fica com a vida por um fio.

Julgamento

Quem chama não se identifica, mas desfia para Stu o rosário de mentiras que é sua vida. Ele mente no trabalho, na vida afetiva. Usa telefones públicos para falar com a namorada, de forma a que sua mulher não descubra a existência da outra. Para a namorada, não conta que é casado. E, por isso, por mentir, por manipular tudo e a todos ao seu redor, é escolhido por um justiceiro urbano para morrer. O cara não está para brincadeiras. Explica como já matou outros, pelo mesmo motivo.

Imagine um Charles Bronson da série Desejo de Matar, transformando-se em juiz e armando ciladas para figuras como Stu. A cilada consiste em colocá-lo nessa cabine que o torna vulnerável à ação de um atirador solitário (o autor do telefonema). Só para mostrar seu poder, ele mata um homem e Stu é responsabilizado pelo crime. Chega a polícia, ele fica cercado, o caso vai parar na televisão. Aparecem, no local, a mulher e, logo em seguida, a namorada. Por um Fio vira a versão atualizada de Um Dia de Cão, o filme de Sidney Lumet de 1975, sobre o circo que a mídia constrói em torno de Al Pacino, como um patético assaltante que roubou um banco para financiar a operação de mudança de sexo do namorado.

Exposto

Pressionado pelo homem que o ameaça, Stu expõe ao público sua vida. Confessa sobre a namorada, sobre as mentiras em torno das quais construiu sua vida, voltada para os valores do sucesso e do dinheiro. E tem de fazer escolhas. O assassino aponta seu rifle ora para a mulher, ora para a namorada e Stu tem de escolher. No processo, repensa sua vida, descobre o que é importante (a mulher). O policial que comanda a operação (Forest Whitaker) também está em crise. Separou-se da mulher, necessita de apoio psiquiátrico, briga com o negociador da polícia que quer assumir o caso. Mas ele descobre o que está ocorrendo e aí o filme vira uma corrida contra o tempo: do policial para descobrir a origem da chamada, do criminoso para tomar providências para que isso não ocorra e de Stu para impedir que seja desferido o tiro fatal.

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