Figurinos requintados. Cidades cenográficas suntuosas, com apurada reconstituição arquitetônica. Atmosfera do mais puro romantismo de outrora, embalado numa anacrônica aura de ingenuidade. São elementos que atraem o público para as tramas de época. Mas, para os autores, representam também uma alternativa às limitações de produções contemporâneas, ambientadas notadamente nos grandes centros urbanos. Estas são afetadas, entre outros aspectos, pelo afunilamento progressivo das questões sociais que possam ser abordadas de maneira adequada. “As novelas de época podem ser, sim, uma fuga à realidade, como eu quis fazer em Força de um Desejo”, admite Gilberto Braga, autor de clássicos como Escrava Isaura.
Em novelas como Mulheres Apaixonadas, de Manoel Carlos, por exemplo, observam-se algumas das limitações das novelas atuais. Temas como a virgindade -através do drama de Edwiges, de Carolina Dieckmann – ou a sedução de um padre – no caso da paixão de Estela, de Lavínia Vlasak, pelo padre Pedro, vivido por Nicola Siri – já não despertam o interesse do público. Chegam a ser motivo de piada. Por outro lado, a exploração da violência é cada vez mais crua, chegando ao limite entre chocar o telespectador e banalizar a situação. Diante desse quadro, as novelas de época ganham nova força. “Gosto de aprender a olhar o mundo com a cabeça do passado”, entende Walcyr Carrasco, autor de Chocolate com Pimenta, sua quinta novela de época – desde que escreveu Xica da Silva, exibida na extinta Manchete em 96.
Se, nos últimos anos, a Globo tem apostado muitas fichas nas tramas de época, na década de 80 a Manchete foi a emissora que mais investiu no gênero. Tramas como Dona Beija, Marquesa de Santos e Kananga do Japão, todas de Wilson Aguiar Filho, tornaram-se sucesso de público com produções de alto nível. Já a Globo não apostava nesse tipo de trama como fazia até a década de 70. Entre 80 e 98, a emissora produziu apenas três novelas de época: Sinhá Moça, de Benedito Ruy Barbosa, Que Rei Sou Eu?, de Cassiano Gabus Mendes, e Salomé, de Sérgio Marques. A principal justificativa era a impossibilidade de fazer “merchandising” nas histórias, já que as marcas de hoje não existiam nas épocas exploradas. Mas, a partir de Força de um Desejo, de 99, o gênero voltou a ser visto como um produto comercialmente viável – tanto em termos de audiência, como para a exportação da obra.
Experiência
Mas, até quem nunca havia se aventurado a contar histórias ambientadas no passado investiu nesse recurso. Um exemplo disso é Carlos Lombardi. Consagrado pelas novelas bem-humoradas e cheias de “sex appeal”, como Quatro por Quatro, Lombardi levou o seu estilo para as tramas de época. Primeiro, ele “reescreveu” uma parte da história do Brasil em O Quinto dos Infernos. Agora, Lombardi está no ar com Kubanacan, cuja história se passa numa fictícia ilha caribenha nos anos 50. “Fiz em seguida duas histórias de época para que eu me renovasse. Quero sair da história que se passa no Rio ou em São Paulo, ou na atualidade”, destaca.
Lombardi diz-se estimulado, ainda, pela possibilidade de lidar com códigos de valores que não são exatamente os atuais. “Posso criar uma mulher como Lola, com seus dilemas morais, ou um herói como Esteban, que respeita a necessidade de sua amada não trair o marido”, comenta, referindo-se aos personagens de Adriana Esteves e Marcos Pasquim. Já para Maria Adelaide do Amaral, autora de minisséries de época como A Casa das Sete Mulheres, mostrar o passado revela que, em linhas gerais, as coisas não se modificam tanto. “É uma maneira de demonstrar que ?não há nada de novo sob o sol? como escreveu Salomão”, diz, citando uma passagem bíblica. Ela diz preocupar-se mais com as questões históricas. “O que me motiva é o tema, no sentido macro. O resto é antropologia, o que não deixa de ser fascinante”, afirma.
Universo paralelo
Não apenas as produções de época podem servir como uma espécie de válvula de escape para as histórias que abordam as questões dos grandes centros urbanos, como Rio e São Paulo. Alguns autores desviam o foco das metrópoles e levam suas histórias para outras regiões do País – como o sertão nordestino. Aguinaldo Silva é um dos que mais recorre a esse tipo de ambientação, criando tipos e dramas a partir de aspectos culturais peculiares dessas regiões. “É uma maneira de mostrar a diversidade do País e dar mais valor a essas culturas”, destaca o autor de novelas como Roque Santeiro, Tieta, Pedra sobre Pedra e Porto dos Milagres.
Embora escreva tramas contemporâneas que se passam no Rio de Janeiro, Glória Perez também procura levar o público para realidades alternativas. Em Explode Coração, por exemplo, ela explorou os costumes de uma tribo de ciganos. Já em O Clone, Glória lidou com a cultura dos povos muçulmanos, através de uma comunidade marroquina. A autora diz que é sempre uma curiosidade pessoal que a leva a escrever sobre esses tipos. Porém, a abordagem é sempre no sentido de levar à reflexão sobre as diferenças entre as pessoas, estimulando a tolerância. “Procuro chamar a atenção para essas diferenças, mas que não há melhores nem piores”, destaca.
SBT também fez novelas de época
n Embora a Globo seja a emissora que mais produz novelas e minisséries de época e de a Manchete ter uma história rica, outras emissoras também já se aventuraram pelo gênero. O SBT produziu Os Ossos do Barão, Dona Anja, Sangue do Meu Sangue e Fascinação.
n Lucélia Santos tornou-se conhecida em todo o mundo graças a sua atuação como o personagem-título de Escrava Isaura, trama exibida em mais de 60 países.
n O romance Éramos Seis, de autoria de Maria José Dupret, virou novela quatro vezes. A primeira foi em 58, na Record, quando as novelas ainda eram exibidas com dois capítulos semanais e ao vivo. A Tupi produziu duas vezes, já no formato diário: em 67, com a adaptação de Paola Civelli, e dez anos depois, com texto de Sílvio de Abreu e Rubens Ewald Filho. Em 1994, o SBT produziu um “remake” da versão de 77.