Como atores, diretores e autores encaram o beijo na teledramaturgia

Desde aquele tímido “selinho”, encenado por Vida Alves e Walter Foster em Sua Vida Me Pertence, de 1951, o beijo na tevê mudou muito. Hoje são, no mínimo, bem mais desavergonhados. Mas a importância dramática de um bom beijo na boca continua intocada. Sem ele, grande parte das cenas românticas ficariam insossas. Através do beijo, pode-se expressar carinho, paixão, amor, tesão e até um sentimento enrustido entre personagens de forma muito mais clara do que em palavras. “O beijo, tanto o primeiro como ele em si, é o grande momento de qualquer romance de novela”, sintetiza Ricardo Waddington, que atualmente dirige Cabocla e foi responsável pela direção de beijos memoráveis, como os trocados por Carolina Ferraz e Eduardo Moscovis em Por Amor e por Vera Fischer e Reynaldo Gianecchini em Laços de Família, ambas de Manoel Carlos, exibidas em 1997 e 2000, respectivamente.

A direção, inclusive, determina como o beijo deve ser dado, assim como faz com qualquer outra situação presente em uma cena. Diz se é quente, romântico, roubado, mais ou menos intenso. “O ator não tem muito poder nessa hora”, garante Ricardo Waddington. Já no ponto mais polêmico da questão, o fato de o beijo ser com ou sem língua, a coisa muda. A maioria dos atores usa a estratégia escapista de dizer que só dá beijo “técnico”, o que não exclui nem inclui a questão da língua. “É novela e sou casado. Só beijo para valer a minha mulher”, afirma Danton Mello, que vive o apaixonado Neco em Cabocla.

Karina Bacchi é outra que garante não beijar na tevê como faz na vida real de forma alguma. “Evita até de alguém confundir as coisas”, completa. A atriz, que interpreta a namoradeira Tina em Da Cor do Pecado, já viveu situação constrangedora envolvendo essa questão em um teste de comercial. “O modelo veio com tudo e eu parei. Por sorte depois dessa não encontrei outro saidinho”, diverte-se. Mas enquanto os atores afirmam que não beijam “de verdade” em cena, Ricardo Waddington conta que nunca teve problemas em conseguir isso ao longo de 20 anos de trabalho. “Nunca recebi negação ao pedir que as línguas se toquem para que o público acredite que existe uma intimidade maior entre os personagens”, explica o diretor, totalmente contra essa distinção entre formas de beijar. “Isso é de uma mediocridade absurda. A língua é um símbolo, é como encostar cotovelo com cotovelo”, minimiza.

Beijo no texto

Assim como o diretor determina como quer o beijo, alguns autores explicitam no texto suas recomendações. Benedito Ruy Barbosa, supervisor de Cabocla e autor da primeira versão exibida em 1979, normalmente pede que seja romântico e delicado. Com visão extremamente oposta à de Ricardo Waddington, tem horror ao chamado “beijo francês”. “Beijo de língua só é bom para quem está dando. Quem assiste sente nojo”, diz o autor, em tom professoral. Jacques Lagoa, diretor de Seus Olhos, do SBT, segue a linha de Benedito. “Gosto de fazer beijinho só com os lábios. Passa uma coisa suave. Beijo de língua é feio”, opina.

A forma de encarar um beijo parece ser pessoal e intransferível. Os beijos ardentes de Carolina Dieckmann e Erik Marmo em Mulheres Apaixonadas – dados com língua, segundo os próprios atores assumiram na época – fizeram com que o casal Edwiges e Cláudio fosse apontado como o mais querido do público em pesquisas.

Mas qualquer beijo, seja ardente, melado ou asséptico, não é garantia de boa audiência. Celebridade, trama bem mais voltada às intrigas que aos romances, até mostra beijos desabridos, mas não em grande número. Mesmo assim, volta e meia passa dos 50 pontos de audiência. A novela Chocolate com Pimenta manteve a excelente média de 38 pontos, quase sem recorrer aos lábios dos atores. “Das minhas novelas foi a que teve menos beijo e maior audiência”, constata o autor Walcyr Carrasco.

Normalmente, novelas de época não exibem beijos com apelo erótico. Mas é justamente a forte carga de romantismo dessas tramas que costuma agradar ao público. Cabocla é um bom exemplo. A novela de teor excessivamente romântico mantém a média de 40 pontos no horário das seis. “Antes de começar a gravar a novela, fiquei imaginando que seria tímido um beijo dado em 1915. Mas fazemos beijão porque os personagens estão muito apaixonados”, explica, tecnicamente, Danton Mello, que forma com Regiane Alves um dos principais pares da trama.

Tabus que são superados

Vida Alves e Walter Foster encenaram em Sua Vida Me Pertence um beijo suave. O primeiro beijo para valer na tevê demorou ainda mais dois anos: foi entre os atores Marly Bueno e Francisco Negrão no teleteatro Arsênico e Alfazema, também da TV Tupi, de 1953. Aí não teve volta. “Os beijos ficaram aos poucos cada vez mais envolventes e agora em muitos casos são até exagerados”, analisa Mauro Alencar, autor do livro A Hollywood Brasileira, um panorama da telenovela no Brasil.

Em meio a essa evolução, aconteceu o primeiro beijo homossexual entre mulheres. Foi no teleteatro Calúnia, da TV Tupi. A cena ousada também ficou a cargo de Vida Alves e sua colega foi Georgia Gomide. Já o primeiro beijo na boca entre homens – uma bicota rápida e divertida – foi protagonizado por Ney Latorraca e Carlos Kroeber na novela Um Sonho a mais, exibida pela Globo em 1985. “Também fiz o primeiro beijo entre homens no cinema, em O Beijo no Asfalto, com o Tarcísio Meira. Beijo faz parte do pacote. É uma marca, como um aperto de mão”, simplifica Ney Latorraca.

Proibições, micos e mistério

# A atriz Lolita Rodrigues só deu seu primeiro beijo em cena na novela Estrela de Fogo, exibida pela Record em 1998, no ator Jonas Mello. Lolita sempre evitou encenar beijos, a pedido de seu marido Airton Rodrigues.

# O primeiro beijo inter-racial aconteceu na novela A Cor de Sua Pele, na TV Tupi, em 1965. Foi entre a personagem de Yolanda Braga, a primeira protagonista negra de telenovela, e o de Leonardo Villar.

# Na pele do lutador Thor em Da Cor do Pecado, Cauã Reymond bateu com o dente no rosto de Karina Bacchi, que vive Tina, ao errar o alvo em uma cena de beijo.

# Alexandre Borges, que interpreta o jornalista Cristiano em Celebridade, não conta como beija em novelas, nem mesmo se beija para valer a esposa Júlia Lemmertz, com quem faz par na trama. “Explicar muito perde o encanto. É a mesma coisa que contar o truque de uma mágica”, compara.

# O diretor Jacques Lagoa já dirigiu uma cena de beijo em que o pivô de um ator ficou na boca da atriz. O nome dos envolvidos e a novela, porém, ele não revela.

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