Às vésperas de mais um Festival de Cinema Latino-Americano – a partir de quinta-feira, 24, em vários locais de exibição da cidade -, acaba de estrear outra atraente produção argentina. O recente Coração de Leão provocou desconcerto com sua divertida narrativa sobre mulher que precisa se livrar de todos os preconceitos para assumir ligação com anão.

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Muitos críticos reclamaram que o filme do diretor Marcos Carnevale, na verdade, reafirmava o preconceito, porque o anão, em questão, era charmoso, poderoso, rico (e, no limite era interpretado por um homem de estatura normal, comprimido na pós-produção digital). A graça do filme era justamente essa, o que só a camisa de força do politicamente correto não permitia a certas pessoas captar.

Sai o humor e entra agora outro filme de uma pegada mais grave. O Estudante, de Santiago Mitre, com Esteban Lamothe. Mitre é um autor cuja experiência anterior o liga a Pablo Trapero, principalmente como roteirista – e Trapero e a mulher, a atriz e produtora Martina Guzmán, serão dois dos homenageados do Festival Latino de 2014. O Estudante conta a história de um estudante que se desloca do interior da Argentina para a capital, Buenos Aires. Ele vem estudar na Faculdade de Ciências Sociais, um foco de permanente agitação. Faz um aprendizado de vida e política.

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Grandes criadores, como Bernardo Bertolucci e Philippe Garrell, em Os Sonhadores e Os Amantes Constantes, ao recriar o célebre maio do ano que não acaba nunca (1968), fizeram a ponte entre sexo e política. Marcuse, eros e civilização. A revolução tinha de ser plena, integral, ideológica como comportamental. Daí os jogos sexuais em que se envolviam Louis Garrel, Eva Green e Michael Pitt, e de novo Louis Garrel e Clotilde Hesme.

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Há uma política do sexo também em O Estudante, porque o jovem se envolve com uma mulher mais madura – sua professora -, numa relação em que o embate das ideias vira embate físico, na cama.

Santiago Mitre começa seu filme lançando o protagonista no meio da confusão – são muitas siglas, representando diferentes tendências do espectro político (e ideológico). E, aqui, cabe o esclarecimento. O senso comum define a ideologia como ideal, e também como um conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas ou de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientados para suas ações sociais e, principalmente, políticas. Essas últimas introduzem, por assim dizer, uma nuance – a política é a arte da negociação para compatibilizar interesses.

É curioso assinalar como, num filme como Transformers – A Era da Extinção, de Michael Bay, os próprios robôs alienígenas vivem dizendo para os humanos – “Vocês não fazem ideia”. Referem-se aos mistérios do universo e ao que está em jogo no processo de invasão e destruição da Terra.

Em O Estudante, outra frase é repetida à exaustão durante os enfrentamentos das siglas, muitas vezes para acalmar recalcitrantes que cobram coerência ou negam alianças espúrias. “Isso é política.” E isso quer dizer – política é assim mesmo. Em busca do bem comum, do consenso, você aceita o que, em princípio, não quer. E isso engloba tudo – corrupção, convencimento, essa instância que não se apoia necessariamente na força física, mas na persuasão, com vistas à alienação do outro.

Toda a construção do filme, um tanto planejada, é verdade, converge para o momento em que Esteban Lamothe, tendo de dizer ‘sim’ – é o que todos esperam dele -, subversivamente diz ‘no’, não. De novo o ‘no’ – um pouco como no filme de Pablo Larraín com Gael García Bernal, mas sem a máquina da propaganda – como idealização, como afirmação da dignidade e da desalienação.

Essa discussão é parte do interesse que O Estudante provoca, mas a própria estética do filme traz uma constatação e, talvez, uma provocação. Em A Chinesa, há quase 50 anos (exatamente 46), Jean-Luc Godard já mostrou um grupo de jovens trancados num apartamento para discutir a revolução. A construção dramática de O Estudante se faz cada vez mais num movimento de fora para dentro. Com a redução do quadro e o fechamento dos planos, para mostrar esse movimento que fala no coletivo, mas age como individualidade.

O que há é uma estetização. A política vira fabulação e anacronismo – velhas histórias sobre como Lisandro de La Torre e Hipolito Yrigoyen duelaram, ou como Juan Perón inflamou a multidão.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.