Com shows e plateias despolitizadas, Lollapalooza faz sua ‘edição do refúgio’

Os muros do Autódromo de Interlagos separavam uma ilha do mundo. Gritos inclementes pediam que Marcus Mumford voltasse ao palco para fazer mais um hard folk com o arrebatador Mumford and Sons ou que Noel Gallagher não sdiante de Marina and The Diamonds e por seus pais que escolhiam o Bad Religione esquecesse de mais uma do Oasis antes de deixar o palco. Aglomerações se formavam por pessoas com 16 anos que saltavam ou os anos 70 do Alabama Shakes para manifestar resistências geracionais. Gigantescas passeatas, sem faixas ou bandeiras, tomaram as pistas que ligam os palcos durante as 24 horas dos últimos dois dias. Enquanto o País saía às ruas para pedir cabeças, mais de 150 mil pessoas batiam cabeças no ano em que o Lollapalooza parecia um refúgio.

A genética do festival ajuda em tempos de agonia. O Lolla não sobrevive de estrelas isoladas, mas de uma proposta interessante. Muitas plateias se formam pela surpresa de fãs que estão de passagem, à espera de seus ídolos, quando descobrem o reggae incendiário dos alemães do Seeed, o rock ungido de James Brown dos californianos do Vintage Trouble e a força de Porto Velho trazida pelo Versalles. Os ‘grandes’, por sua vez, tentam viabilizar a sobrevivência do ‘festival dos pequenos’. Ainda que ninguém pareça fazer nada pensando nisso, este é o resultado. E, falando assim, fica bonito. Afinal, Gallagher, Eminem, Mumford e Florence já foram pequenos.

A aposta de Fernando Alterio, presidente da Time For Fun, responsável pelo festival, parece funcionar. “Este é um bom ano para se fazer shows internacionais”, disse, em entrevista recente ao Estado. Por sua lógica, as pessoas que deixaram de viajar para fugir do dólar estão redirecionando seus gastos com diversão indo a shows. Segundo a assessoria de imprensa, havia 85 mil pessoas no primeiro dia e 75 mil no segundo, números nem sempre refletidos nas pistas. Enquanto Noel Gallagher fervia o palco Skol, o metal do Marrero era percebido por menos gente.

Algo a se pensar: a exposição de boas bandas como Versalle e Dingo Bells sem uma base de fãs garantida ajuda ou atrapalha? Eleva ou queima o filme? Não seria o momento de a produção medir o potencial de público desses grupos pelas mobilizações das redes que suscitam, ou mesmo ajudar promocionalmente no acesso deste público para garantir uma recepção mais justa?

A estrutura do Lolla funciona sem grandes esforços depois de cinco anos. Os vazamentos de som pareceram contornados e os longos caminhos reduziram pontos confusos e sem informação. Mas, se o diabo habita os detalhes, lá estava ele: as caixas da área de alimentação não têm cardápios nem tabelas de preço. O cliente que chega sem saber quanto custa aquilo que quer é alvejado pelo olhar impaciente das atendentes. O som do palco Onix foi insuficiente e não subiu a ladeira sobretudo no show do Of Monsters and Men.

Algumas almas foram lavadas pelo Alabama Shakes. A garganta larga de Brittany funciona como uma caixa acústica para as cordas vocais. A voz sai grave, poderosa. Brittany canta do fundo, de voz rasgada, como se o som viesse de um canto obscuro, no qual o desespero fica alojado e, quando abre a boca, solta essas angústias aprisionadas para um voo livre. Um contraponto ao show apático que a cantora Florence fez no encerramento do palco Skol, com metade da pista vazia.

Menos pretensiosos, mais divertidos, os DJs Diplo e Skrillex, do projeto Jack Ü, chamaram MC Bin Laden para cantarem Baile de Favela e Tá Tranquilo, Tá Favorável. Emicida fez um show de bela performance e com a presença de MC Guimê. Ao final, o dedicou ao percussionista Naná Vasconcelos, morto na quarta, dia 9. O único show a fazer referência direta à crise política foi o do Planet Hemp. “Que dia para o País, a luta pelo poder. Esquerda versus direita. Quem é que vai pegar mais o nosso dinheiro?”, bradou Macelo D2.

O duo Twenty One Pilots contagiou. O sucesso Heavydirtysoul foi o sinal para esquentar o público que cantou durante toda a apresentação de Josh Dun e Tyler Joseph, o homem que comanda o espetáculo. Ele movimenta-se com um pouco de inconsequência, usando máscaras e figurinos customizados, e agradece em português com uma bandeira brasileira enrolada ao pescoço. A mesma bandeira brasileira que esteve nas costas de Ty Taylor, vocalista do Vintage Trouble, que foi carinhosamente estendida sobre um dos amplificadores do Mumford and Sons por Marcus Mumford e que ficou posicionada ao lado do Axe. Sua presença manifestava outros sentimentos. Quem estava no palco a reverenciava e quem estava na plateia, ao menos por aqueles minutos, transbordava de orgulho. (Colaboraram João Paulo Carvalho, Pedro Antunes e Renato Vieira)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo