Luiz Carlos Merten
Com as estreias do libanês O Insulto, de Ziad Doueiri, e do russo Sem Amor, de Andrey Zvyagintsev, na próxima quinta, 8, estará completa a lista de indicados para o Oscar de filme estrangeiro nos cinemas da cidade. Como todo ano, a Academia de Hollywood havia feito uma shortlist, com nove títulos, da qual saíram os cinco finalistas que, no dia 4 de março, estarão concorrendo ao prêmio da categoria. Somam-se aos dois citados o sueco The Square – A Arte da Discórdia, de Ruben Östlund, o chileno Uma Mulher Fantástica, de Sebastián Lelio, e o húngaro Corpo e Alma, de Ildikó Enyedi, todos em cartaz há semanas.
Como está a seleção de filmes estrangeiros na safra 2018 do Oscar? Mais do que em qualquer outra categoria do Oscar, a de filmes estrangeiros passa pela pré-aprovação dos títulos nos grandes festivais europeus de cinema. The Square venceu a Palma de Ouro no ano passado, Corpo e Alma, o Urso de Ouro em Berlim. O Insulto venceu melhor ator em Veneza, Sem Amor ficou com o prêmio do júri em Cannes e Uma Mulher Fantástica ganhou duplamente o prêmio de roteiro e o Teddy Bear, o Urso para o melhor filme de temática LGBT. O candidato do Brasil – Bingo – O Rei das Manhãs, de Daniel Rezende – não passou pela shortlist nem pelos maiores festivais.
Cinco filmes que confrontam o público, e a Academia, com a contemporaneidade – em fase de empoderamento feminino, sacramentada no Globo de Ouro, a mulher fantástica do Chile é uma trans, interpretada por Daniela Vega, que luta pelo direito de fazer seu luto pelo companheiro que morreu (e a família dele sequestrou o cadáver). Desconcertante ou fascinante, depende do ponto de vista, The Square aborda as controvérsias da arte moderna e do politicamente correto. Corpo e Alma, belíssimo, confronta o espectador com questões de espiritualidade. O que significa esse misterioso sonho que duas pessoas tão distintas, um homem e uma mulher, compartilham toda noite?
A esses temas, agregam-se agora os de O Insulto e Sem Amor. O filme libanês é sobre o que começa como um conflito banal – um cristão libanês e um palestino brigam no tribunal pelo que parece uma ofensa banal, uma troca de desaforos motivada por uma calha avariada – e, de repente, a disputa ganha dimensão nacional e reabre velhas feridas da guerra civil. Talvez seja o mais emocionante dos cinco indicados, e é muito bom. Sem Amor conta outro litígio. Um casal em fase de separação. No centro, o filho, desamparado, sem amor. Depois de Leviathan, já indicado para o Oscar, Zvyagintsev traça outro retrato terrível da URSS pós-comunismo. Um país de horror. É o mais impressionante de todos os finalistas. O melhor?
Luiz Zanin Oricchio
Seria exagero dizer que os finalistas ao Oscar de filme estrangeiro são as cinco melhores obras cinematográficas em língua não inglesa do último ano. No entanto, há um detalhe importante: a escolha da Academia para 2018 recai sobre obras que já chegam com cacife de prêmios nas principais mostras de “cinema de arte” da Europa.
Daí o nível alto da competição. A rigor, são cinco ótimos filmes: Uma Mulher Fantástica (Chile), Sem Amor (Rússia), Corpo e Alma (Hungria), The Square – A Arte da Discórdia (Suécia) e O Insulto (Líbano).
Uma Mulher Fantástica, de Sebastián Lelio, põe em cena a questão atualíssima, com foco numa atriz transgênero, Daniela Vega. Num mundo tocado – e, em certa medida, convulsionado – por questões identitárias, este, que é o único candidato latino-americano, encontra por aí seu sentido e sua chance na disputa.
Mas, convenhamos, o páreo é duríssimo quando se tem pela frente candidatos tão sólidos. A começar pelo russo Sem Amor, de Andrey Zvyagintsev, sobre crise de um casal e de um filho que some. Lido de maneira menos óbvia, o filme é construído talvez menos sobre a falência dos afetos que da derrocada de um projeto de nação. É impressionante.
Em registro bastante original, Corpo e Alma, de Eldikó Enyedi, trabalha o tema da solidão. Essa obra rara mescla imagens de um cervo na floresta sendo observado por um caçador a outras, no interior de um matadouro, onde trabalham um homem e uma mulher solitários e cheios de travas afetivas. Uma estranha fábula amorosa, com alusões a um inconsciente coletivo de sonhos compartilhados.
The Square – A Arte da Discórdia, de Ruben Östlund, tem sido acusado de “filme de tese”. OK, tem algumas ideias de base, mas desde quando isso é pecado? A falta de pensamento é que deveria ser. Em todo caso, Östlund gosta de ver o que acontece aos personagens em situações-limite (é dele o ótimo Força Maior). Em The Square, além de ironizar a impostura de certo tipo de “arte” contemporânea, observa como é tênue o verniz de civilidade que recobre instintos brutais.
Em O Insulto, de Ziad Doueiri, é em especial o roteiro engenhoso que chama a atenção. Dois moradores de Beirute – um cristão e um palestino – levam uma pequena desavença ao tribunal. Pela discussão, flui não apenas a ideia de que guerras começam por motivos fúteis, como a menos óbvia constatação de que antigas feridas não se fecham apenas por boa vontade. A força da fabulação é grande. E a atenção à ambiguidade dos personagens pouco comum no cinema atual.
Apenas um deles vai ganhar. Mas, se tiver de escolher, não hesite: fique com todos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.