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Com influência do diretor Ozu, ‘Pela Janela’ é muito simples e sutil

José, o irmão motorista de Rosália, tem uma missão em Pela Janela. Deve levar um carro a Buenos Aires, e depois voltar de ônibus para o Brasil. Sentindo que a irmã não está bem, ele a leva. Os dois, na estrada. Rosália a seu lado, silenciosa, vendo o mundo com indiferença, pela janela. Fazem uma parada, ela vai ao banheiro. Tem problema com a torneira, a água parece que não vem. E aí, na fronteira com a Argentina, eles chegam às cataratas. Iguaçu, aquela parte de água. A água que – essa é a impressão – lava a alma de Rosália, impulsionando-a a retomar o caminho da vida.

A cena da catarata é grandiosa, mas na sua essência é simples. A água como personagem de Pela Janela. O que diz a diretora e roteirista Caroline Leone? “A água é decisiva no filme porque, como a Rosália é uma operária numa fábrica, a água lubrifica as existência dela como lubrifica a engrenagem no trabalho. Não é só nas cataratas. A água está presente no filme todo, e muitas vezes em gestos pequenos. Lavar roupa, tomar banho, preparar o alimento.” A água, no limite, extravasa do peito e verte pelo olho, como lágrima. Nada muito complicado, tudo muito simples e direto, mas o filme é exigente porque clama por um espectador sensível e atento a essas sutilezas.

Yasujiro Ozu, arrisca o repórter? “Totalmente”, diz Carol Leone. “Gosto muito do cinema dele. É uma referência permanente para mim. Enquanto escrevia e, depois, filmava, era como se tivesse um Ozu no meu ouvido dizendo ‘Menos, menos’. Compreendo que é um risco, porque o filme é cheio de buracos negros que o espectador tem de preencher, e não resolve nada. No final, a vida de Rosália não está resolvida. Mas é um recomeço, e isso já é bastante.”

Por falar em risco, Carol Leone admite que também foi, e grande, dar o papel de protagonistas absoluta a Magali Biff, que está presente em todas as cenas. Magali é uma grande atriz de teatro, em montagens de Gabriel Villela e Felipe Hirsch. Tem feito pequenos papéis no cinema, nunca uma protagonista, mas Carol nunca duvidou que ela seria perfeita. E Magali? “Foi um susto fazer um papel tão grande e absorvente, mas entrei tranquila porque como atriz, e muitas vezes de montagens experimentais, também me considero uma operária.”

Houve preparação? “Sim, mas não no sentido usual. A Carol escreveu um roteiro muito preciso, mas o filme não tem muitos diálogos. Então, em vez de leituras, ela nos propunha jogos, que a gente recriasse a vida desses personagens, quem eles eram, como eram.” Foi enriquecedor, acrescenta Cacá Amaral, que faz José, o irmão. “Só para você ver. A Carol pediu que a gente imaginasse a perda da virgindade da Rosália, e como teria sido a primeira noite do Zé. Eu também já toquei piano, mas ela queria outro instrumento, e tive de me exercitar no violão, como o Zé, ao tocar, também parece que ainda está se exercitando”, conta.

A cena das cataratas teve de ser filmada num único dia. “E a Carol, que fez todo um planejamento, não nos levou lá antes. Quando a gente vem avançando pela mata e, depois, na passarela, acho que o que está na tela não é só a reação dos personagens, mas também a nossa, do Zé e eu, porque aquilo é gigante, apequena a gente. E, ao mesmo tempo, é bom, porque ajuda a recolocar as coisas em perspectiva. O mundo é tão maior que a gente passa a encarar os problemas de outra forma, talvez menos dramática.” Carol filmou muito, e o diretor de fotografia você sabe quem era? O pai dela, Cláudio Leone. “Acho que é bom ter essa relação de confiança entre pai e filha. A gente briga muito, porque sou minha câmera. Se sei o quadro que quero, por que vou delegar a outro? Discutimos, e também é bom para a relação familiar. Nada de ressentimento. A gente termina por se abrir mais, conhecer mais”, avalia a diretora.

Ela explica seu método. “Filmo roteiros detalhados e depois vou cortando até chegar ao nervo. A questão é sempre mostrar menos, mas dentro de um princípio – até onde dá para tirar coisas sem deixar incompreensível nem com a impressão de falho?” É interessante porque em Cannes, em maio passado, falando de seu novo filme, Happy End, Michael Haneke disse que também é isso que persegue. Haneke, Ozu… “Gosto mais do Ozu”, diz Carol Leone. Só falta a câmera baixa, brinca o repórter. “Que nada, usei bastante nos curtas”, conclui a diretora de Pela Janela.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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