Hugo Carvana não faz cerimônia. Com sinceridade cortante, dispensa meias palavras. Por vezes, nem espera para ouvir toda uma pergunta. Interrompe e responde logo, com uma certa impaciência. Na verdade, Carvana é avesso aos “rituais da fama”, como se submeter a entrevistas e sessões fotográficas. “O ator rala feito um doido e desconta INSS como qualquer outro trabalhador. Só os medíocres acreditam que são estrelas”, vocifera o ácido intérprete do Lineu de Celebridade – novela de Gilberto Braga que fala justamente do glamour e da hipocrisia que habitam o mundo dos famosos.
Com quase 50 anos de carreira, Hugo Carvana sabe do que fala. Quando começou na profissão, como figurante de chanchadas, ter um filho ator não era exatamente motivo de orgulho para nenhum pai de família. Hoje, aos 66 anos, Carvana sabe de cor quantos filmes fez. Foram 82 como ator, sendo que seis – entre eles Vai trabalhar, vagabundo!, Se segura, malandro e Bar Esperança – foram projetos próprios, sob sua direção. Já as produções televisivas – 22, entre novelas, seriados e minisséries – o ator nunca se deu ao trabalho de contar. “Sei lá. Deve ser por aí mesmo”, diz, fazendo pouco caso.
Apaixonado por cinema, dirige filmes com fortes referências autobiográficas. Como o último, Apolônio Brasil, campeão da alegria, no qual presta uma homenagem às chanchadas e à boemia carioca das décadas de 50 a 70. “Vivi essa época intensamente. Então, está impregnado em mim”, admite o ator que, numa quente manhã de primavera carioca, conversa entre uma e outra baforafa de cigarrilha.
P – Como você vê os atores que viram celebridades ou as celebridades que viram atores?
R – No fundo é tudo igual. Ator de verdade não é estrela. Essa busca insana pela fama começou quando a televisão resolveu transformar jovens medíocres em astros. Nos anos 30 e 40, por exemplo, ator era o mesmo que viado e atriz era igual a puta. Só com o tempo a profissão ganhou “status” e o ator provou que tinha uma contribuição cultural a dar. Aí veio a televisão e qualquer jovem medíocre passou a virar celebridade.
P – É uma realidade bem diferente da que você conheceu…
R – Sem dúvida. Na verdade, até os 17 anos eu sequer tinha pensado na possibilidade de ser ator. Eu era suburbano de classe média baixa, trabalhava como auxiliar de escritório, não tinha grandes ambições. Até metade dos anos 50, era um doce vagabundo.
P – E quando isso mudou?
R – Um amigo me contou que, na Tupi, figurante ganhava dinheiro só para bater palma. Era comigo mesmo! Adorei aquele clima neurótico de televisão. Só que fui rejeitado no teste! Aí tentei a sorte num estúdio de cinema. Meu primeiro filme foi Trabalhou bem, Genival, uma chanchada de 1955. Gostei do negócio e fui emendando um filme no outro, sempre como figurante. Depois, estudei teatro e comecei a fazer show em boate… Aliás, devo o título do meu filme Vai trabalhar, vagabundo! à minha mãe, que todo dia repetia isso lá em casa.
P – Tem algum projeto que ainda queira realizar?
R – Tenho muita vontade de contar no cinema a história de Assis Valente. Foi um compositor brasileiro e um grande personagem. Eu só o vi uma vez quando era garoto, mas sou fascinado pela história dele e pelas músicas que fazia. Ele viveu no Rio de Janeiro dos anos 30, aquele período de ouro, de Carmem Miranda, dos cassinos, dos grandes musicais… Esses temas sempre me fascinam.
P – E que balanço você faz dos seus 50 anos de carreira?
R – Já fui cafetão, viado, coronel, doutor, mendigo, milionário… E nem tenho tempo para pensar nessas coisas. Há uma grande fantasia na profissão de ator. A gente trabalha como doido, cansa, reclama do patrão, fica doente, desconta INSS como qualquer brasileiro. Tudo igual! As pessoas acham que ator é um ser iluminado. Como um médium que “recebe santo”. Recebe coisa nenhuma! Sabe que até alguns atores acham isso? É frescura, pura “viadagem”!