Ao observar a família de patos que vivia em sua piscina migrar para outro lugar em busca de temperaturas mais altas, Tony Soprano, mafioso de Nova Jersey interpretado pelo finado James Gandolfini no seriado do canal por assinatura HBO Os Sopranos, sente um mal-estar.

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Ao prever a mudança, a partida, ele perde seu chão – e dá início à história daquela que é considerada a melhor série de TV de todos os tempos. Há, no mundo, dois tipos de pessoas. O primeiro é representado por Tony Soprano, cujo temperamento explosivo se apresenta em uma tentativa de disfarçar a incapacidade de funcionar bem diante das mudanças; o outro grupo, nessa metafórica cena criada na telinha por David Chase, é representado pelo grupo de patos. São aqueles que, sem medo, partem sempre que podem em busca de uma nova vida, sossego, desafio ou, mesmo que seja, um verão mais quente. Rodrigo Amarante se enquadra na segunda turma.

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A mudança, a migração, está no sangue. Desde criança, ele conta, viveu de despedidas e rupturas. E viverá mais uma, mesmo que desta vez seja das mais leves. O músico do Los Hermanos, maior banda do indie brasileiro do novo século que vive em estado de inanição com turnês esporádicas desde 2007, deixará o Brasil mais uma vez para voltar a Los Angeles, cidade norte-americana onde mora desde 2008. No País natal, Amarante estará por pouco tempo. Chegou no último sábado, 28, no seu Rio de Janeiro, e partirá para São Paulo dois dias depois.

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Na quinta, 2, fará uma apresentação especial no show que celebra os 50 anos de carreira do guitarrista Lanny Gordin, no Sesc Pompeia. Já de sexta a domingo, dias 3, 4 e 5, ele fará três apresentações especiais, só com voz e violão, em outro Sesc, o Pinheiros, para marcar a de despedida do disco Cavalo, a estreia solo de Amarante.

O disco saiu em 2013, elogiado pela crítica especializada brasileira, mas demorou para pegar no tranco no exterior. Foi tudo tão aos poucos que, quatro anos depois, Amarante ainda segue com turnês pela Europa e Estados Unidos baseadas no trabalho de estúdio. A atenção sobre o trabalho do músico no estrangeiro cresceu com Tuyo, música de abertura da série Narcos, com a qual ganhou uma indicação ao Emmy, no ano passado. “A turnê se estendeu por um ano e meio a mais”, conta ele, por telefone. “Não que ache ruim. As pessoas estavam descobrindo o disco.”

Tuyo foi um pedido de José Padilha, que assina a produção executiva e foi diretor de alguns episódios da primeira temporada. “Ele não me deu um direcionamento. É claro, conversamos bastante a respeito, pensei bastante. O Padilha me disse: ‘Eu quero a sua visão, quero o que você acha que a música deva ser’.” A faixa, cantada em espanhol, versa sobre uma obsessão. “É uma letra que se faz parecer com uma canção de amor bem latina, mas se prestar atenção naquele contexto da série, é algo político. É uma perspectiva bem narcisista com relação ao amor. Ela poderia ser cantada por Donald Trump.” Amarante canta, ali, sobre ser “o ar que você respira”, “a água que mata a sua sede”.

No ponto de vista do eu-lírico, é dele tudo aquilo que alguém precisa. Dentro do contexto de Narcos, que narra a ascensão e queda do colombiano Pablo Escobar, o maior e mais perigoso narcotraficante que já existiu, é a ganância, a sede de poder e até a droga que cantam esses versos sobre controlar alguém. “‘É a cocaína, é o dinheiro, é sobre algo que se torna o motivo de tudo.”

Se Tuyo não aponta para qual direção sonora se dará o segundo disco de Amarante, a canção ao menos indica a ideia de uma nova perspectiva para suas composições. Cavalo, o disco, é um tratado dele sobre si.

Um olhar diante do espelho num exercício de reflexão. Por isso, soa minimalista em tantos momentos. Os versos são confessionais, sem medo. “Era inevitável que o primeiro disco fosse um autorretrato”, ele avalia. A extensão da turnê do álbum ajudaram-no a ter uma perspectiva diferente de algumas das canções – o tempo auxilia a entender o que ele queria dizer, de forma inconsciente, ao compor aquelas músicas. Irene, uma das músicas de amor de Cavalo, se transformou para o autor. “Quando a escrevi, tinha a perspectiva das minhas relações recentes”, conta. “Com o passar do tempo, percebi que a música tinha mais conexão com a minha infância e adolescência do que com a minha vida adulta. Ela reflete esse percurso que fiz, de me mudar a cada três anos, de dizer adeus aos amigos de escola e às namoradinhas.”

Ele explica: “Eu gosto de imaginar que cada disco pode ser um capítulo”. Cavalo, portanto, é quando o personagem ganha vida, somos introduzidos aos seus anseios, medos e lembranças. “Agora que essa figura do personagem já está definida, quero que o segundo disco seja voltado mais para fora do que para dentro. Cavalo era uma experiência de análise de si. Minha ideia é ver o caminho pelo qual o personagem irá trilhar, para onde ele olha.” Ainda que o segundo disco vá ser gestado assim que voltar para Los Angeles – e o plano é lançá-lo ainda em 2017 -, a proposta é sair do estado onde a voz se encontra só e cair no mundo.

Isso Amarante já fez. Cavalo rodou bastante. Na sua última turnê pela Europa, recentemente, passou por países como Holanda e França. Viajou só, com o violão nas costas, percorrendo teatros com o show que irá apresentar em São Paulo – bastante diferente da versão que foi exibida por aqui no início da turnê, com uma banda a acompanhá-lo.

Essas apresentações funcionam como uma ponte entre os dois discos. A solidão no palco representa muito bem o que é Cavalo, enquanto a peregrinação é o “olhar para o mundo” que estará presente no segundo álbum solo. Algumas músicas dessa nova safra devem aparecer nas três apresentações que fará em São Paulo.

A experiência nômade, como esse andarilho a cruzar territórios e fronteiras com o instrumento pendurado nas costas, ele explica, nunca lhe foi estranha – romantismos à parte, ela também é dura. Nascido no Rio de Janeiro, filho de funcionário de uma empresa de tecnologia, Amarante deixou a capital fluminense rumo a São Paulo aos seis anos de idade. Voltou para o Rio aos 9, mudou-se para Fortaleza quando tinha 13, foi para os Estados Unidos, um intercâmbio escolar. “Foi algo que aprendi com o meu pai”, ele avalia. “A oportunidade aparecia e ele abraçava. Ele me deu o exemplo de encarar o desconhecido, de não ter medo de arriscar.” Sempre pingando de canto em canto, Amarante se estabeleceu em Los Angeles a partir de 2008. “Nunca foi muito planejado”, ele conta, em entrevista por telefone, na semana passada. “Se pudesse apostar comigo mesmo, há 15 anos, onde iria morar, nunca seria Los Angeles.” Ele ri da ironia.

Passou a frequentar a cidade californiana para gravar com o músico Devendra Benhart e, depois do anúncio do hiato do Los Hermanos, foi chamado por Fabrizio Moretti (baterista do The Strokes) para formar a banda Little Joy. Por fim, acabou ficando. Quando deixou o Brasil, nove anos atrás, a barba sempre volumosa e arredia ajudava a fazer valer o apelido de “ruivo”. Hoje, aos 40 anos, fios brancos se reúnem na região abaixo das costeletas. “O vento foi me trazendo para cá. O Los Hermanos não estava tocando. Vim dar um tempo aqui e ver o que acontecia”, ele diz. Mas nada com Rodrigo Amarante é fixo demais. “Já está me dando uma coceira para ir para outro lugar, falar outra língua”, ele diz. “Não sei, estou aqui, meu barco está ancorado, mas é só desfazer o nó.”

Rodrigo Amarante.

Sesc Pinheiros. Teatro. Rua

Paes Leme, 195, Pinheiros, tel.: 3095-9400. 6a (3) e sáb. (4), às 21h, dom. (5), às 18h. R$ 18 a R$ 60.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.