Quando estava com 12 anos, o escritor irlandês Colm Tóibín perdeu o pai. Ele e o irmão mais novo continuaram vivendo com a mãe na mesma casa durante mais algumas temporadas. “Foram anos de um estranho silêncio em que o assunto não podia ser evocado”, comentou ele ao jornal O Estado de S.Paulo, em entrevista telefônica. “Você vivencia aquilo, pensa sobre o assunto, que não sai de sua cabeça, mas sabe que não é apropriado tocar na questão todos os dias. Mesmo com os parentes, semanas a fio, vindo à sua casa velar um morto que já não existe mais.” Complexa e dolorida, a questão tornou-se o ponto de partida para a escrita de Nora Webster, seu mais recente e um dos mais importantes romances, lançado agora pela Companhia das Letras.
Tóibín é um dos convidados da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, cuja 13ª edição começou na quarta, 1º, à noite. Nesta quinta, 2, ele falará ao público, a partir das 19h30. Não será a primeira vez em que se apresenta na cidade fluminense – esteve aqui em 2004, na segunda edição. Mas, aos 60 anos, Tóibín adquiriu desde a época uma simplicidade elegante e visceral na escrita, capaz de criar mistérios que, mesmo obscuros, não encobrem sua compaixão e sensibilidade.
Nora Webster conta a história dessa mulher que, aos 40 anos, se torna viúva com a morte de Maurice. Restam-lhe dois filhos pequenos, que ainda vivem com ela, e duas garotas, que não moram mais com a família. A trama se passa no fim dos anos 1960 e, mais que a perda do companheiro, Nora lamenta a ausência do homem que a resgatou do ambiente modesto em que foi criada. Aos poucos, ela vai se desprendendo da vida antiga – que a ameaça como se afundasse em um poço – e escolhendo novos caminhos, tudo sob o olhar silencioso dos filhos. “Eu e meu irmão também notamos que nossa mãe voltou a trabalhar e arrumou outros amigos, mas, insisto, quando escrevi esse romance, não me deparei com um espelho, mas com uma folha em branco, que pedia uma criação.”
Mais que os novos hábitos maternos, o silêncio e a lenta compreensão do jovem Tóibín foram decisivos para a redação de Nora Webster. O que faz com que o romance não seja apenas uma colcha de retalhos da memória é a forma com que o escritor avança com os personagens. Nora, por exemplo, mesmo sendo a condutora da narrativa, nem sempre domina a situação com segurança. “Muitas vezes, o leitor enxerga a situação por meio dos olhos dela, mas consegue ver além da compreensão de Nora, o que lhe rende uma confortável posição em relação à história”, conta o escritor. “Ao longo da narrativa, acrescento um detalhe atrás do outro, uma maneira lenta de se retratar a sensibilidade do personagem. É como se o leitor observasse o retrato a óleo de uma pessoa e sentisse que a conhecesse.”
Colm Tóibín acredita que não teria publicado o livro se sua mãe ainda estivesse viva. Mesmo tendo iniciado o romance em 2000, ele seguia um ritmo lento, com alguns capítulos novos a cada verão. “Mas confesso que seria fácil se ela lesse a obra já editada, talvez fosse duro demais”, comenta. “Ao mesmo tempo, presto uma homenagem a ela e de como conseguiu mudar a sua vida sem que sufocasse seus filhos, de forma inteligente, revelando-se uma mulher forte.”
De volta a Paraty depois de mais de dez anos, o escritor não confessa grandes expectativas. “Quero apenas nadar bastante, meu esporte favorito, adoro o calor do mar brasileiro, algo difícil de encontrar nas águas geladas daqui”, diverte-se. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.