Na última terça, 19, dia da estreia de Levante, o espetáculo mergulhou em um pouco mais do habitual breu previsto na montagem de Roberto Alvim. Um dos refletores queimou logo no início do espetáculo, mas a avaria não impediu que a trama tecnológica do dramaturgo Daniel Graziane fosse contada. O prazo para o conserto da iluminação é nesta quinta, 21, quando o Club Noir estreia a montagem Engolir a Escuridão, desta vez com dramaturgia de Alvim.
Em Levante, o diretor explora os intrincados relatos de jovens hackers que desejam invadir sistemas do governo para provocar uma crise política. “Existe uma voz singular nos escritos do Daniel, tanto no estilo quanto ao tratar da revolução tecnológica”, conta Alvim. Já em Engolir a Escuridão, a montagem delata o colapso de um escritor que tem seu trabalho interrompido após sua casa ser invadida e vandalizada por um bando de crianças. “É uma metáfora que diz respeito às perdas em geral, de familiares, do emprego, do controle de si”, continua o diretor.
Com o fim da temporada de As Cerejas e com duas montagens na mão, Alvim se apega a mais uma alegoria. “Sou como um tubarão: se eu parar, morro”, atesta. Ambas as montagens em cartaz são fruto de oficinas de interpretação para jovensatores, a fim de sustentar o espaço que anda com o aluguel atrasado. “É uma hemodiálise de energia, que renova o corpo, em trabalhos que são sempre muito produtivos”, diz.
Em 2015, o Club Noir já esteve em iminente situação de despejo, um dos principais impasses pelos quais passam as companhias teatrais e suas sedes – o caso não é exclusivo, lembra ele, citando o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, que perdeu sua sede no ano passado, por causa da especulação imobiliária, e o Cemitério de Automóveis, do diretor Mário Bortolotto, que segue com as contas apertadas. Na ocasião, para salvar o Club Noir, Alvim recorreu a uma campanha de financiamento coletivo na internet.
Nas últimas semanas, ele reuniu forças para pronunciar seu descontentamento com o fato de não ter o Club Noir entre os contemplados pela Lei de Fomento ao Teatro, programa municipal de apoio e manutenção de trabalhos continuados por grupos de teatro. A última vez ocorreu em 2011, com o projeto Peep Classic Ésquilo, o “mais radical”, segundo Alvim – em 2008, a companhia inaugurou sua sede com recursos oriundos do Fomento.
Dentre as mais de 100 peças escritas por Ésquilo, tido como o primeiro dramaturgo que se tem notícia, apenas sete delas chegaram até os dias de hoje. O projeto do Club Noir apresentou seis adaptações e redundou no melhor projeto especial de 2012, eleito pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e o Prêmio Governador do Estado. “Ficamos em cartaz por mais de um ano, levamos os espetáculos para outras cidades e sempre tivemos a casa cheia. Isso mostrou a relevância da Ésquilo e o nosso acerto no projeto”, continua o diretor. “Está cada vez mais difícil manter a produção de obras profícuas quando estamos em permanente situação de risco.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.