São Paulo – Há uma discussão na mídia americana envolvendo o novo filme de Clint Eastwood, Sobre Meninos e Lobos, que estréia hoje nos cinemas. Os críticos discutem qual dos atores será indicado para o Oscar. Há os que se confessam francamente incapacitados para escolher entre Sean Penn e Tim Robbins. Penn tem sido azarão nos últimos anos. Pode ser que seja esta, agora, a sua chance. É verdade que a interpretação mais interessante do filme não seja a de nenhum dos dois e sim a de Kevin Bacon, que interpreta… Clint Eastwood. Veja Sobre Meninos e Lobos e repare na maneira como ele anda, como movimenta os braços, até como fala.

É um filme sobre a inocência perdida, uma nova tragédia americana – como Clint, volta e meia, gosta de contar. Acaba de ganhar o prêmio de melhor de 2003 da National Board Review. Baseia-se no romance de Dennis Lehane. No original é Mystic River. No Brasil, ficou sendo Sobre Meninos e Lobos. Começa e termina numa rua de periferia. Na primeira, três meninos escrevem seus nomes no cimento fresco. Dois completam a inscrição e o terceiro ainda trabalha nela quando chega um carro com dois homens, o garoto é seqüestrado e submetido a todo tipo de abuso. O grito dessa criança é terrível – ecoa na consciência do espectador. No fim, volta-se ao piso com os nomes gravados. Algo de muito doloroso ocorreu entre esses extremos.

Sean Penn, Tim Robbins e Kevin Bacon fazem os garotos quando adultos. Como se não bastasse a tragédia na infância do trio, há agora nova tragédia – a filha de Penn, que faz uma espécie de chefão, cercado de asseclas, é assassinada. Kevin Bacon faz o policial que investiga o caso, e as suspeitas, aos poucos, encaminham-se para Robbins. Histórias de mistério envolvendo assassinato geralmente têm a ver apenas com a solução do crime, diz o diretor no dossiê distribuído à imprensa. Neste caso, além do assassinato, a história mostra como as vidas dos personagens foram alteradas pelos dois crimes – o do começo, um caso de abuso, sem assassinato, e o de morte, a seguir.

Traumas

Traumas no passado costumam atrair Clint Eastwood nos filmes que realiza. Eles marcam os personagens de dois westerns, Josey Wales -O Fora da Lei e Os Imperdoáveis, e também de Bird e O Mundo Perfeito. A marca agora persegue o trágico (anti)herói que Tim Robbins interpreta. A própria mulher suspeita dele. Cria-se um ciclo trágico que o espectador intui, desde logo, que só poderá ser concluído com derramamento de sangue. Sobre Meninos e Lobos não é só sobre isso, mas também um filme sobre como conflitos mal resolvidos podem afetar (e destruir) as pessoas.

Clint insiste que é um filme sobre a inocência perdida. Talvez seja mais sobre a culpa produzida pela inocência que se perde. O desfecho vem de novo na rua, ocupada por uma parada. Os sobreviventes do trio ficam colocados em lados opostos. Um deles faz um gesto imaginário de atirar no outro. Uma mulher caminha fragilizada, talvez enlouquecida, entre a multidão. É o mais sombrio dos filmes de Clint Eastwood. O autor, que gosta de trabalhar com gêneros clássicos (westerns, policiais) usa aqui o noir para pintar o quadro de uma América atingida e que não sabe bem como reagir. O estigma de 11 de setembro não é alheio a essa tragédia americana.

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