Jean Renoir, Vicente Minnelli e Claude Chabrol são alguns dos nomes do cinema que levaram o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert, às telonas. Nenhum deles conseguiu satisfazer Bruno Lara Resende. “Eu via os filmes e sempre achava muito frustrante”, diz o teatrólogo. “As versões são incapazes de transmitir a riqueza da prosa do texto.” Foi quando se deu conta de que o teatro seria um bom caminho para adaptar a obra, preservando melhor sua estrutura. Idealizou Madame Bovary, que estreou em abril no Espaço Sesc, no Rio, e segue temporada a partir desta terça-feira, 12, no Teatro dos 4, na mesma cidade.
A relação de Resende com o clássico publicado em 1857 é de longa data. Na primeira vez que leu, tinha 19 anos e lembra de não ter tido muita identificação. “Longe de não ter gostado, mas não fiquei encantadíssimo”, diz, destacando que não colocaria o livro em suas grandes influências de literatura. Releu aos 30 e poucos, ocasião em que teve uma impressão um pouco melhor. Foi só há sete anos, porém, que o texto ressurgiu em um grupo de literatura do qual participa e ele decidiu adaptá-lo para teatro.
Em sua versão para Madame Bovary, o cerne do enredo segue inalterado. A peça conta a história de Emma Rouault (interpretada por Raquel Iantas), uma jovem francesa que se casa com Charles Bovary (Joelson Medeiros), herdando, assim, o sobrenome do marido. Apesar de Charles fazer bem o papel de companheiro – e, talvez, seja justamente essa a razão -, Emma cai em um incurável tédio, ao qual tenta combater de diversas formas, incluindo a traição.
“Os personagens não são grandes personagens”, diz Resende, lembrando que a obra é o marco inaugural do anti-herói. “Todos são humanamente pequenos. O que dá a riqueza não são os diálogos, mas a narrativa.” Para o diretor, a história é apenas boa e não seria nada demais “se fosse narrada por um escritor medíocre”.
O texto de Flaubert, razão que levou Resende a fazer a peça, é claro, define a direção. Diferentemente das montagens tradicionais, em Madame Bovary a ação está menos na interpretação dos atores e mais em suas falas, com destaque para o uso constante do discurso indireto. Emma, por exemplo, pode abraçar e beijar um personagem estando em pé, ao lado dele, sem fazer os gestos: apenas narrando o que se passa na história.
Simples, o cenário ajuda a concentrar as atenções no texto. Os personagens andam em um palco praticamente vazio: há apenas duas grandes mesas que, deslocadas durante a encenação, fazem as vezes de diversos ambientes. Ao fundo, uma tela neutra ganha cores que variam de acordo com o sentimento e a intensidade da cena.
Segundo Resende, a fuga do drama também justifica a simplicidade do cenário e dos figurinos, secos e modernos. “Evidentemente, é um drama burguês, não tem como evitar isso, mas eu queria tirar a perspectiva metafísica desse gênero. Não queria fazer uma peça de época realista, com poltronas na sala de estar.”
Uma das características que chamaram a atenção do diretor para o texto representou, também, uma dificuldade de adaptação. Resende classifica a obra de Flaubert como enxuta, apesar de ter trabalhado com uma edição de 400 páginas. “Se você balança o livro, não cai nenhuma palavra”, brinca. “O manuscrito tinha 1.200 páginas. Ele cortou muito, então não tem enrolação.”
Ainda assim, a transposição para o palco exigiu cortes. Em um primeiro trabalho, o adaptador criou uma versão de 120 páginas. Depois, fez mais ajustes e chegou à edição final, com 50 páginas, o que resulta em pouco menos de duas horas.
Além dos cortes, o processo de adaptação gerou algumas mudanças temporais. Se o livro começa com cenas da infância de Charles, por exemplo, a peça parte do momento em que o personagem fica viúvo e visita a família de Emma.
Uma das influências do trabalho foi O Que Diz Molero, espetáculo dirigido por Aderbal Freire-Filho, com estreia em 2003. Resende diz que chegou a ver a peça mais de 20 vezes, não apenas por ter gostado, mas porque foi naquela ocasião que começou a namorar Raquel Iantas, que fazia parte do elenco. “Fiquei fascinado com o uso da linguagem que era literária e não perdia a teatralidade. É uma questão de como aproveitar bem um texto literário, sem abrir mão do jogo teatral.”O REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA PRODUÇÃO DO ESPETÁCULO. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.