Samantha Eggar e Terence Stamp fizeram história como os primeiros a ganhar os prêmios de melhor atriz e ator no Festival de Cannes pelo mesmo filme, e foi O Colecionador, de William Wyler, em 1965. Somente em 1980 Anouk Aimée e Michel Piccoli repetiram o feito por Il Salto nel Vuolto/O Salto no Vazio, de Marco Bellocchio. E só 20 anos depois, em 2000, Isabelle Huppert e Benoit Magimel também triunfaram em Cannes com A Professora de Piano, de Michael Haneke.

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Wyler, o chamado estilista sem estilo, sempre teve a fama de ser um grande diretor de atores. Muita gente ganhou o Oscar (Bette David, Burl Ives, Charlton Heston, etc.) por filmes que ele dirigiu, mas o prêmio de Samantha teve um significado especial para a própria atriz. Wyler não a queria no papel, e chegou a despedi-la, mas isso é adiantar-se aos fatos. O Colecionador sai em versão restaurada, em DVD da Versátil. Quando irrompeu nas telas, o cinema e o mundo estavam mudando. No começo dos anos 1960, consolidara-se na França o movimento chamado de nouvelle vague. Jean-Luc Godard pregava o filme sem roteiro, filmado na rua. Nada mais contrário ao espírito perfeccionista de Wyler. Conta a lenda que o diretor acrescentou aos seus cartões – William Wyler, A.V, Ancienne Vague.

Ele havia encerrado os anos 1950 recebendo seu terceiro Oscar de direção – por Ben-Hur, em 1959. Antes, havia sido premiado por Rosa de Esperança/Mrs. Minniver, em 1942, e Os Melhores Anos de Nossas Vidas, em 1946. Analisando o estilo do diretor, o crítico francês André Bazin disse que Wyler nunca teve uma clara preferência temática. Gostava de roteiros solidamente construídos, marcados por análises psicológicas e pelo realismo social. E Bazin ressaltava – o que sempre identificou Wyler, sua assinatura, foi a forma, a sua fidelidade à profundidade de campo. Expressando-se por meio de planos fixos e longos, Wyler deixava o espectador livre para fazer o próprio corte, dentro da cena, direcionando seu olhar para esse ou aquele personagem. Existem análises muito interessantes que vinculam o realismo social de Wyler, em Hollywood, ao neorrealismo dos mestres italianos.

Após a grandiosidade de Ben-Hur, que fez história ao ganhar 11 Oscars – incluindo melhor filme, diretor, ator (Charlton Heston) e ator coadjuvante (Hugh Griffith) -, Wyler seguiu o caminho inverso e fez um filme intimista, em preto e branco. Infâmia, refilmagem de outro filme do diretor nos anos 1930, nasceu ambicioso. Wyler retomou a peça e a colaboração de Lilian Hellman, reabrindo a discussão sobre o macarthismo na vida política norte-americana. Abordar a homossexualidade feminina também era temerário em 1962, quando o Código Hays ainda não havia sido revogado e havia forte censura às cenas de sexo e violência.

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Shirley MacLaine, uma das atrizes – a outra era Audrey Hepburn -, sempre disse que Wyler amarelou e as prometidas cenas de sexo nunca saíram do roteiro, mas é que o próprio diretor tinha outro foco na história. O que lhe interessava era mostrar como a mentira de uma aluna consegue destruir a vida de duas professoras – assim como as suspeitas de comunismo destruíram tantas vidas e reputações. Wyler havia feito filmes de diversos gêneros – dramas, comédias, westerns, filmes de guerra, policiais -, mas o que lhe foi proposto após Infâmia era algo inédito em sua carreira. Um musical.

O diretor assistiu a The Sound of Music/A Noviça Rebelde na Broadway antes de aceitar o compromisso. Contratou Julie Andrews e foi à Áustria escolher locações, mas vacilava em fazer o filme (afinal assinado por Robert Wise). Buscava um jeito de cair fora, e ele veio. Foi o roteiro de O Colecionador. O livro de John Fowles era considerado infilmável – como também seria outro livro do autor, A Mulher do Tenente Francês. Dois roteiristas de TV que se haviam tornado produtores, Jud Kinberg e John Kohn, compraram os direitos e o segundo fez a adaptação com Stanley Mann. Levaram-na a Mike Frankovich, que se tornara poderoso como vice-presidente da divisão overseas (estrangeira) da Columbia. Queriam que o filme fosse feito em Londres, com um jovem para o qual haviam escrito o papel – Terence Stamp – e esperavam que Wyler fosse o diretor.

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Seduzido pela história – colecionador de borboletas sequestra garota, a quem mantém prisioneira numa casa isolada -, Wyler topou tudo. Stamp estourara em Billy Budd, que Peter Ustinov adaptou de Herman Melville. Interpretava Alfie no teatro, em Londres. Frankovich queria que o papel de Miranda, a garota, fosse interpretado por Samantha Eggar. Wyler despediu-a na fase de ensaios. Tentou conseguir Natalie Wood, mas ela tinha problema de agenda. Voltou a Samantha, mas com uma condição – ‘Sam’ teria um coach o tempo todo a seu lado no set. Wyler não acreditava que a atriz desse conta do papel. A surpresa foi o coach, no caso – Kathleen Freeman, eterna coadjuvante nas comédias de Jerry Lewis.

Existem, na trajetória de Wyler, precedentes de filmes em interiores, rodados em cenários fechados, verdadeiros hui clos. E, embora André Bazin não visse muito clara uma preferência temática, Wyler sempre foi atraído por relações de poder, e de posse. Pense em Da Terra Nascem os Homens. O Colecionador é a versão íntima (e concentracionária) daquele filme. Wyler pode ter sido influenciado por Alfred Hitchcock (Vertigo/Um Corpo Que Cai e Psicose) e Michael Powell (Peeping Tom/A Tortura do Medo), todos sobre a obsessão de homens por mulheres a quem terminam por destruir. Jean Tulard, no Dicionário de Cinema, define Terence Stamp como doce maníaco que mata a beleza. Ele virou depois ator de Federico Fellini (Histórias Extraordinárias) e Pier Paolo Pasolini (Teorema). Sérgio Augusto também sustenta que Wyler implodiu seu classicismo e adotou todos os fricotes visuais que a nova onda (o novo cinema) estavam propagando. Tudo isso contribuiu para o culto a O Colecionador. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.