Cinquenta anos depois de surgir como uma das maiores explosões instrumentais da música brasileira, o Rio 65 volta a se reunir. Com os originais Dom Salvador ao piano e Sergio Barrozo ao baixo, mais o baterista Duduka da Fonseca no lugar de Edison Machado, morto em 1990, o trio vai fazer uma apresentação neste sábado, 28, no teatro Carnegie Hall, em Nova York. Apesar de ainda não poder anunciar apresentações no Brasil, o pianista Dom Salvador diz ao Estado por telefone, dos Estados Unidos, que está em conversações com empresários para trazer o show a São Paulo.
O repertório será construído sobre os únicos dois discos lançados pelo Rio 65 em seus dois anos de existência: um álbum homônimo ao grupo, lançado em 1965; e o disco A Hora e a Vez da MPM, de 1966. MPM era a sigla, antes de existir MPB, que designava “música popular moderna”, uma reação ao surgimento da Jovem Guarda, em 1965.
O Rio 65 é um dos filhos criados em uma das boates do Beco das Garrafas, nascedouro de cantores e instrumentistas nos anos 60, em Copacabana. Sua existência é produto deste meio. Dom Salvador é de Rio Claro, no interior de São Paulo. Chegou ali já com o trompete de Chet Baker e o piano de Thelonious Monk na cabeça por convite do baterista Dom Um Romão e causou euforia. Ao lado de Romão e do baixista Manoel Gusmão, passou a integrar o Copa Trio, em 1964.
Muito samba-jazz transbordava por aqueles palcos do Beco quando um monstro voltou ao Brasil. Edison Machado tinha 30 anos e era o par de baquetas mais rápido da zona sul, capaz de acompanhar um samba inteiro no prato da bateria, uma revolução. Ao ouvir falar que Dom Salvador quebrava tudo no piano de armário do Bottle’s Bar, seguiu para lá na mesma noite. “Foi paixão à primeira vista”, diz Salvador. Depois de tocarem Tem Dó, de Baden Powell, não havia mais o que pensar sobre a decisão que a natureza já se antecipara a tomar: eles tinham que tocar juntos.
A loucura dos músicos não era pouca, e foi dela que o Rio 65 surgiu. Pois os cartazes do Bottle’s anunciava um show de Marcos Valle e a cantora Doris Monteiro, que seriam acompanhados por Zezinho Bicão ao baixo e Tenório Jr, o pianista que, em 1976, desapareceria em Buenos Aires. Salvador não conta os motivos, “era tanta loucura que nem posso dizer”, mas lembra que apenas Marcos Valle e Edison Machado apareceram para o show. Assim, Salvador, que andava sem-teto desde que Dom Um migrara para os Estados Unidos acabando com o Copa, foi convidado para o novo grupo que se formava. Doris foi trocada por Lenny Andrade e Sérgio Barrozo, que já tocava com Roberto Menescal, entrou no lugar de Bicão. A performance de Valle e Lenny era grandiosa, mas o calafrio vinha mesmo no momento do trio, deixando o Bottle’s de pé.
As peças se ajeitaram quando Armando Pittigliani, executivo da gravadora Phillips, viu o grupo em ação e fez o convite para lançarem um LP. Um projeto sem nome, até que Edison Machado lembrou: o ano era 1965, e muito se comentava sobre os 400 anos do Rio de Janeiro. Virou Rio 65.
O samba-jazz de 1965 não é o que deságua na bossa-nova, mas o que resiste a ela e corre por fora. O fato é que, em 1965, a era de ouro da bossa, iniciada em 1959, já está em declínio, e quem faz samba-jazz faz também como uma forma de resistência. No formato de Tom Jobim e João Gilberto, não havia espaço para virtuosismos, improvisos, explosões. O piano, soberano em trios como Zimbo, Tamba, Jongo, Copa e Bossa Jazz, era substituído pelo violão. E o espírito do jazz, antes evocado na indisciplina e na liberdade, era agora aprisionado pela mão esquerda de João Gilberto. “Na bossa, os músicos não tinham chance. Eram aquelas coisas certinhas, aquelas notinhas. A gente queria quebrar tudo!”, lembra Dom Salvador. A própria existência de cantoras já era um espinho no esôfago dos mais radicais. Quem eram aquelas mulheres que nem ler partitura sabiam para se colocarem à frente de um grupo? “Canários”, disparavam. Até que Elis Regina passou pelo Beco, mas aí começa uma outra história. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.