Cidade de Deus. |
Quando Carandiru estrear nos cinemas de Nova York e Los Angeles, no dia 14, começará o trabalho da distribuidora Sony Classics em transformar o filme de Hector Babenco no mesmo êxito que foi Cidade de Deus, que ficou 64 semanas em cartaz no mercado americano e disputou quatro categorias do Oscar. “O espaço ainda é pequeno, mas é possível notar que há brechas nos Estados Unidos para o filme brasileiro”, avalia Rodrigo Saturnino, que responde pela direção geral no Brasil da Buena Vista International e da Columbia Sony Corporation. “Isso porque a qualidade e a diversidade dos longas brasileiros têm crescido.”
Apesar de comandar distribuidoras que vivem basicamente da comercialização de filmes americanos, Saturnino revela profunda intimidade com o cinema nacional. O motivo é o crescimento da participação dos grandes estúdios na produção brasileira. Os números são reveladores: dos 30 filmes nacionais lançados no ano passado, 14 (entre os 15 de maior bilheteria) contaram com a participação de estúdios americanos. Segundo a Agência Nacional de Cinema, em 2003, 22 companhias estrangeiras aplicaram recursos na co-produção de filmes brasileiros – só a Buena Vista injetou R$ 7,9 milhões, enquanto a Columbia, R$ 4,9 milhões.
“Há vários motivos que explicam isso, entre eles, a ajuda na saúde financeira da própria empresa”, comenta Saturnino confessando que atualmente trabalha mais para o cinema brasileiro que para o estrangeiro. Novamente, os números justificam tamanho interesse: enquanto no mundo todo houve um aumento médio de 10% de ocupação de salas que exibiam filmes do próprio país, no Brasil o crescimento foi astronômico, de 205%, graças principalmente à abertura de novas salas, especialmente as multiplex que garantem qualidade de som e imagem. “E o mais curioso é que o aumento foi mais sentido em regiões mais populares, onde quase não havia mais salas, como o interior de São Paulo e cidades próximas como Mauá e Taboão da Serra.”
Ajudou também um dispositivo legal criado pelo governo. O artigo 3.º da Lei do Audiovisual permite que 70% do imposto de renda devido pelos estúdios sobre a remessa de royalties ao exterior seja revertido a co-produções nacionais. Assim, quanto mais o brasileiro vai ao cinema (e não necessariamente para assistir a um filme nacional), maior a disposição dos estúdios em investir na produção local.
Um exemplo: Procurando Nemo teve, no ano passado, 4,7 milhões de ingressos vendidos, o que incentiva a Buena Vista a programar seis lançamentos nacionais para este ano – a Columbia, que investe no filme brasileiro desde 1988, planeja outros quatro. Pelo mesmo raciocínio, é possível esperar mais investimento da Fox Film do Brasil para o próximo ano – co-produtora de um dos sucessos deste primeiro trimestre, Sexo, Amor e Traição, a empresa é responsável pela distribuição do atual campeão de bilheteria das salas brasileiras, A Paixão de Cristo.
“Isso é sensacional e representa, atualmente, o principal combustível da nossa indústria cinematográfica”, comenta o cineasta Cacá Diegues, cuja mais recente obra, Deus É Brasileiro, teve a participação da Columbia Tristar do Brasil. “Apesar de o meu filme ter feito uma ótima bilheteria (mais de 1,8 milhão de espectadores), não posso me considerar um agente incentivador do mercado, pois só consigo fazer um filme a cada três anos. Daí a necessidade de se contar com a participação dos grandes estúdios.”
Casado com Renata Almeida Magalhães, que é produtora da Rio Vermelho Filmes (a empresa que produziu Deus É Brasileiro) Diegues faz uma importante observação: pela lei, os estúdios americanos não são os principais detentores das obras que co-patrocinam, até porque o incentivo fiscal do imposto sobre as royalties tem um teto, fixado em R$ 3 milhões. “Se por algum acaso a Columbia deixar o País, minha obra fica aqui, pois o copyright é nosso.”
A visibilidade no exterior é outro fator apontado como positivo pelo cineasta, cujo filme Bye Bye Brasil deverá ser relançado em junho, em Nova York. Os americanos vêm acompanhando uma série de obras brasileiras – Ônibus 174, de José Padilha, foi o documentário estrangeiro mais visto nos Estados Unidos em 2003, além de dividir atenção com Cidade de Deus. Ainda neste mês, deverá estrear O Caminho das Nuvens, de Vicente Amorim, e Dona Flor e seus Dois Maridos, de Bruno Barreto, um dos maiores sucessos do cinema brasileiro, vai ganhar cópia nova no Film Forum, no Soho de Nova York.
Rodrigo Saturnino vê com cautela tal invasão. “Ainda não é possível apontar um grande interesse americano pelos filmes brasileiros”, comenta, prudente. “Nem sempre os longas de maior bilheteria despertam a mesma atenção do mercado externo. É o caso, por exemplo, das produções de Renato Aragão, bem aceitas aqui mas sem atrativos lá fora.”
Saturnino acredita que os números de 2004 serão positivos, mas não tão expressivos como os do ano passado. “O importante é notar que filmes como Os Normais e Lisbela e o Prisioneiro não seriam realizados em sua época não fosse a ajuda do exterior. Só esperamos agora que o governo não crie nenhuma taxação que iniba esses investimentos.”