Cinema brasileiro e seu domingo de glória

E chegamos à véspera do grande dia. Na última terça-feira, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood deu por encerrado o processo de votação do Oscar 2004, para os melhores de 2003. As cédulas foram enviadas para 5.800 membros da academia. Hoje, dois funcionários da empresa de auditoria Price Waterhouse Coopers – Greg Garrison e Rick Rosas (que compilaram os votos e se esconderam em lugares diferentes) – e tornaram-se depositários de um segredo que só será revelado para o mundo amanhã à noite, no Kodak Theatre em Los Angeles, quando forem abertos os envelopes com os nomes dos vencedores da 76.ª edição do prêmio de cinema mais discutido (e desejado) do mundo.

O campeão de indicações é “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei”, que concorre em 11 categorias. Vai levar? O suspense está para terminar. Hollywood gosta de premiar essas superproduções.

O Oscar é o prêmio da indústria de cinema dos EUA que privilegia o dinheiro mais do que a arte, confere prestígio aos seus ganhadores. Vencer o Oscar é obter, enfim, reconhecimento em Hollywood, que não é só um lugar, mas um conceito. É o ?país? do cinema. É preciso ter muita convicção estética e ideológica para dar as costas ao prêmio, o que pouca gente faz, até porque receber o Oscar é ficar na boa companhia de autores-faróis como John Ford, Billy Wilder, Joseph L. Mankiewicz, Ingmar Bergman, Federico Fellini, Akira Kurosawa, Luis Buñuel e Michelangelo Antonioni, todos premiados.

O Brasil está na disputa. O filme que a comissão formada pela Agência Nacional de Cinema, a Ancine, apontou como candidato do País à indicação – “Carandiru”, de Hector Babenco – foi barrado em Hollywood. Foi a própria Academia que indicou “Cidade de Deus” em quatro categorias -melhor direção, roteiro adaptado, fotografia e montagem. Cidade de Deus” é produção brasileira (O2, Globo, Lumière e Columbia), que recebeu o aporte da Miramax para explodir internacionalmente.

Ari Barroso

O primeiro brasileiro a disputar um Oscar foi Ari Barroso, em 1944, com a canção Rio de Janeiro, parceria dele com Ned Washington para o filme “Brasil -Encontro no Rio”, de Joseph Santley. Pouca gente se lembra desse filme, mas se sabe que ele foi feito na época da chamada “política da boa vizinhança”, iniciativa de Franklin Roosevelt para aproximar os Estados Unidos dos países amigos, que ajudariam a derrotar o Eixo na Europa e depois permaneceriam na órbita econômica americana. Ari perdeu para “Swinging on a Star”, música de James van Heusen, letra de Johnny Burke interpretada (covardia) por Bing Crosby e coro de meninos no filme “O Bom Pastor”.

No Oscar-1962, Anselmo Duarte com “O Pagador de Promessas” concorreu à estatueta de melhor filme estrangeiro. Perdeu para o francês “Sempre aos Domingos”, de Serge Bourguignon. “O Pagador”, como se sabe, é o único brasileiro vencedor de uma Palma de Ouro no Festival de Cannes, para os cinéfilos um prêmio de muito mais valia do que o Oscar.

Meirelles não acredita na vitória e reclama do governo

O diretor Fernando Meirelles é cético quanto às suas chances de receber a estatueta de melhor diretor: Peter Jackson, da trilogia “O Senhor dos Anéis”, é franco favorito. A indicação, pelo menos, já é uma credencial no currículo. Para ele, que já tem trabalho para os próximos 3 anos (Meirelles está produzindo um filme na Inglaterra), a montagem de Daniel Rezende é a que tem mais chance de vencer.

P – Em quais categorias, o filme tem chance de vencer? Por que?

Meirelles – Montagem. Porque é excelente e não há nenhum filme tão bem montado. Nas outras categorias, tem sempre alguma barbada.

P – Como tem sido a recepção do filme no exterior, uma vez que trata de um tema muito próximo do Brasil e com personagens que utilizam gírias bem específicas?

Meirelles – O filme já fez por volta de US$ 30 milhões segundo li numa entrevista com o Harvey Weinstein, da Miramax. São 49 prêmios até hoje e muitas páginas de jornal. Deve ter algo de universal nele que as pessoas ao redor do mundo entenderam.

P – Três longas indicados para o Oscar de melhor filme não receberam nenhuma indicação por atuações. Os diretores tornaram-se, portanto, estrelas?

Meirelles – Alguns diretores são mais estrelas que seus atores. Almodóvar, Tarantino, Scorsese, Clint Eastwood. Acho que sempre houve isso. Peter Jackson é tratado como um superstar.

Posso fazer uma autopergunta? O que mais me aborreceu nesse processo todo? Foi o fato de o governo federal e do governo do Rio terem feito inúmeras reuniões e promessas para a implantação de projetos sociais em Cidade de Deus no ano passado e, com o passar dos meses, aos poucos terem abandonando. Será possível que vamos ter de ganhar essa estatuetinha para que o governo se lembre dos seus compromissos?

É tão óbvio que a melhor maneira de combater a violência é com investimento social.

Brasileiro Carlos Saldanha está no páreo com Gone Nutty

A comemoração pelas quatro indicações recebidas pelo filme “Cidade de Deus” quase ofuscou a participação de um quinto brasileiro no páreo pelo Oscar: o animador Carlos Saldanha é diretor de “Gone Nutty”, concorrente entre os curtas de animação. E, ao contrário da equipe comandada por Fernando Meirelles, Saldanha já disputou antes o prêmio – foi no ano passado, quando “A Era do Gelo”, que ele co-dirigiu com o americano Chris Wedge, concorreu na categoria de longa animado.

“Gone Nutty”, aliás, traz um dos personagens secundários de “A Era do Gelo”, mas justamente aquele que mais simpatia desperta: o desastrado esquilinho Scrat que procura um lugar para esconder suas nozes antes da chegada do inverno. Para quem está curioso em conferir o trabalho, o curta é uma das atrações entre os extras do DVD do longa, já lançado no Brasil.

Aos 35 anos, Saldanha é um veterano em trabalhos animados nos EstadosUnidos. Ele é um dos contratados da Blue Sky Studios, o que o obriga a passar a maior parte do ano nos Estados Unidos. Inicialmente, produzia comerciais e curtas experimentais até que, em 1996, passou a produzir longas-metragens com “Joe e as Baratas”.

Em 1998, o curta-metragem Bunny rendeu o primeiro (e até agora único) Oscar da Blue Sky. Mas foi o sucesso de “A Era do Gelo” que convenceu a Fox a liberar novos projetos de longas, como Robots, previsto para meados de 2005, e “A Era do Gelo 2”, que começou a ser produzido tão logo “Gone Nutty” fosse finalizado.

Saldanha estava com 22 anos quando resolveu fazer cursos de computação nos Estados Unidos. Casou-se às pressas e, como presente, pediu a amigos e familiares dinheiro para a viagem. Fez mestrado em animação em computação gráfica na New York School of Visual Arts com dinheiro emprestado de amigos. Depois manteve contatos na costa oeste americana e conseguiu seus primeiros trabalhos. As chances de Saldanha são bem maiores que a da turma de “Cidade de Deus”.

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