O cinema brasileiro de autor é a maior aventura de todos os tempos. Se aplicarmos aos filmes tupiniquins a teoria de Shelley – que dizia que todos os poemas do mundo eram, na realidade, um só – chegamos, sem dúvida, ao ápice da trama. O arsenal criado nas décadas de 1960 e 1970 com o Cinema Novo parece ter se perdido no limbo que se transformou o mercado cinematográfico brasileiro, inundado por comédias e longas comerciais criados por grandes produtoras a partir da temática apresentada por Hollywood.

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Com a chamada “retomada”, no começo dos anos 1990, a produção brasileira começou a respirar melhores ares, mas ainda assim faltava fôlego para encher as salas de cinema – que na década anterior chegavam a carimbar os ingressos de filmes nacionais com um “avisado”, algo semelhante ao que foi feito com Praia do futuro (2014), de Karim Aïnouz. O respeito – por parte do público – só começou a mudar quando duas produções foram indicadas ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro: O Quatrilho (1995), de Fábio Barreto, e Central do Brasil (1998), de Walter Salles.

Ainda assim, o Brasil ainda não tinha uma política de autor, como nos tempos de Glauber Rocha (1939 – 1981) e Nelson Pereira dos Santos. As produções com identidade e maior toque pessoal do diretor chegariam ainda em 1996 e 1998, com Terra estrangeira, de Daniela Thomas, Walter Salles, e A Hora da estrela, de Suzana Amaral, respectivamente.

Século XXI

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Com a passagem do milênio o cinema brasileiro ganharia uma força sem igual, parte dela vinda de cineastas já consagrados – como Walter Salles, com Abril despedaçado (2001), Fernando Meirelles com Cidade de Deus (2002) e Laís Bodanzky com Bicho de Sete Cabeças (2001) – e, por fim, de diretores, a sua maioria do nordeste, que se estabelecem com filmes de qualidade inigualável.

Aïnouz seria o responsável por uma importante produção do novo cinema de autor: O Céu de Suely (2006), a história de Hermila, uma jovem do sertão que ao ser deixada pelo marido que acaba vagando pelo submundo para ganhar a vida. Já o baiano Sérgio Machado faria, em 2006, com Cidade Baixa, um importante retrato da divisão social de Salvador, em que a periferia está na “cidade baixa”.

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O longa Febre de rato (2011), de Claudio Assis – que esteve no comando de Amarelo manga (2002) -, teria como roteirista Hilton Lacerda, que faria seu debut com Tatuagem (2013), o retrato da ditadura militar sob a ótica de um grupo de artistas que desafiava não só o regime, mas os bons costumes da sociedade conservadora do Brasil.

Divulgação
Longa “Hoje eu quero voltar sozinho” é um dos melhores
exemplos do cinema autoral atual.

O país do futuro

O cinema deixa o habitat onírico e passa a gravitar no mundo real, como se fosse uma inversão da lógica wittgensteiniana – em que pode ser imaginado pode ser real; aqui, tudo o que é real pode ser filmado. Essa nova percepção vem em conjunto com o momento econômico e social brasileiro, em que a população vai ao cinema e não ressente por isso, pois o que vê projetado na tela é, em certo ponto, a sua vida. O acesso à educação permite também o amadurecimento intelectual, criando ferramentas de absorção cognitiva. Esse seria o cenário perfeito para que surgisse um longa que abandonasse o paradigma das produções brasileiras de buscar seu foco nas periferias e pudesse se concentrar na classe média.

O Som ao redor (2012), de Kleber Mendonça Filho, quase passou calado no Brasil, no entanto, foi com os prêmios – como o Festival de Cinema da Polônia. BFI London Film Festival e Festival de Cinema da Sérvia – que conquistou que a produ&cce,dil;ão ganhou seu espaço. Quem assistir ao curta Eletrodoméstica (2005), verá que o diretor teve em si mesmo as referências necessárias para criar sua maior obra. Mas não beira a redundância e, sim, o aperfeiçoamento.

A mesma técnica de aperfeiçoando foi o alicerce de Daniel Ribeiro para criar Hoje eu quero voltar sozinho (2013), que conta o drama de Leo, um adolescente cego que se descobre gay com a chegada de um garoto novo, Gabriel, à sua classe. Assim como o longa de Mendonça Filho, o filme do diretor paulista revitalizou o curta-metragem Eu não quero voltar sozinho (2010) e coloca às claras os dilemas cada vez mais presentes no cotidiano brasileiro.

É possível enxergar no trabalho de Daniel Ribeiro um quê de inovação, ao mostrar um grupo de adolescente que busca a sua identidade em um mudo cada vez mais atulhado de dúvidas e perguntas sem respostas. Essa gênese é a mesma que serviu a J. D. Salinger (1919 – 2010) para dar à luz ao que é chamado de primeiro romance de formação: O Apanhador no campo de centeio  (1951).

É impossível dizer quais rumos serão seguidos pela produção autoral de cinema no Brasil, mas certamente ela encontrou a sua melhor forma.