Laura Cardoso foi soberana no palco do Cine-Teatro Guararapes ao receber o troféu Calunga especial por sua carreira, na terça-feira, 29, à noite. Provocou protestos da plateia quando disse que achava a homenagem exagerada. E fez uma confissão que reafirmou na coletiva realizada na quarta-feira, 30 – ela tem uma mágoa consigo mesma. Convidada por Eduardo Coutinho para ser uma das atrizes que recriam os depoimentos das personagens anônimas de Jogo de Cena, ela declinou. Invocou compromissos, falta de tempo. Depois, ajoelhou-se aos pés do grande Coutinho para pedir perdão. Aquele “não” lhe dói até hoje, e mais ainda após o brutal assassinato do diretor, no começo do ano.
A terça à noite foi marcada pela primeira premiação do Cine PE. Os júris dos curtas e da mostra competitiva internacional de documentários outorgaram os Calungas e, em seguida, começou a mostra de filmes de ficção, com o argentino Todos Tenemos Um Plan e o brasileiro Mundo Deserto de Almas Negras.
A premiação dessa segunda etapa será amanhã à noite, não mais no Cine-Teatro Guararapes, montado no Centro de Convenções de Olinda, mas no tradicional Teatro Santa Isabel, no Centro do Recife. A competição de curtas dividiu-se em duas categorias – curtas pernambucanos e nacionais. Na primeira, Au Revoir, sobre a relação de duas vizinhas divididas por um estreito corredor – na verdade, por muitas coisas mais -, ganhou os prêmios de melhor filme e direção (para Milena Tirnes). O júri é soberano, mas o melhor da categoria foi Rabutaias, de Brenda Lígia, que ficou com um prêmio especial.
Os demais prêmios – atores, fotografia, roteiro, montagem – dividiram-se entre a ficção O Filho Pródigo, de Felipe Arrojo Poroger, o documentário No Movimento da Fé, de Fernando Segtowick e Thiago Pelaes, sobre o Círio de Nazaré, e o ensaístico Linguagem, de Luiz Rosemberg Filho. Na categoria documentários internacionais, havia somente dois prêmios, melhor filme e direção.
O júri dividiu-os entre O Mercado de Notícias, de Jorge Furtado (melhor filme), e E Agora? Lembra-me, de Joaquim Pinto (melhor direção), mas rompeu o protocolo, atribuindo um terceiro prêmio, uma menção, a rigor desnecessária, para Corbiniano, de Cezar Maia. Corbiniano, o artista, incorporou preceitos do Modernismo de 1922 e se tornou conhecido por esculpir figuras alongadas em alumínio fundido. São preferencialmente mulheres, mas não apenas. É curioso como o personagem quase não fala e resgata o valor do silêncio (em sua vida e obra). Neste sentido, o filme propõe um interessante diálogo com o português E Agora? O problema é que muita gente fala sobre Corbiniano. Boa parte do que dizem poderia ser editado sem prejuízo para o duplo entendimento, do artista e do homem, mas aí Corbiniano correria o risco de virar um curta.
Para iniciar a competição de longas de ficção, o argentino Todos Tenemos Um Plan foi muito bem selecionado. O filme começa de um jeito – Viggo Mortensen como criminoso na área interiorana banhada pelo rio Tigre -, mas logo muda o cenário. Mortensen tem um irmão gêmeo que é médico em Buenos Aires. Esse último está em crise. Quer largar tudo, e o irmão lhe possibilita fazer isso. Por motivos que não vale explicitar – para não tirar a graça -, ele assume a identidade do irmão. Termina enredado na teia de violência em que vivia o outro. A diretora Ana Viterberg fez um filme duro, tenso. Os homens matam-se, as mulheres têm a força. A trilha é assinada por dois compositores – Federico Jusid, de Getúlio, e Lúcio Gody.
A violência de Todos Tenemos Um Plan é carnavalizada por Ruy Veridiana em Mundo Deserto de Almas Negras. São Paulo como você nunca viu, num mundo futuro em que os negros formam a classe dominante e os brancos são os espoliados.
Um afrodescendente de temperamento mais frágil, ou instável (Sidney Santiago), é levado a cometer atos, de violência, como Augustin, o irmão médico do marginal Pedro em Todos Tenemos Un Plan. A cor muda tudo no filme de Veridiana, não só a da pele. Por mais extravagante que pareça o conceito não realista de Mundo Deserto, ele obedece a um propósito, que é discutir a exclusão social no Brasil de 2014.
Parece interessante, e a ideia da inversão promete, atiça a imaginação. Entre a ideia e a realização, algo se perdeu. A estética delirante – ou brega – prevalece sobre a ética. Não é um elogio. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.