Houve momentos do 19.º Cine PE, que terminou sexta-feira no Recife, em que os críticos e a organização do festival quase brigaram. Por conta da crise, o festival enxugou custos e trocou o monumental Centro de Convenções de Olinda, que virava o Cine-Teatro Guararapes, por uma sala de rua no centro da capital pernambucana. O Cine São Luis ainda não é dotado de projeção digital. A organização providenciou uma, mas quase toda noite repetiam-se os problemas de som. A organização culpava os filmes, os realizadores chiavam. Na quinta, finalmente, o último filme da competição, “Cavalo Dinheiro”, de Pedro Costa, falado em português de Cabo Verde, teve uma projeção tão impecável, e um som tão perfeito, que dava para prescindir das legendas e arriscar-se a entender a mistura de português de Portugal com dialeto cabo-verdiano. O som, afinal, funcionava.
Foi um belo festival, marcado por muitos debates e com uma seleção – de Rodrigo Fonseca – que apostou no cinema autoral, mesmo quando os filmes visavam o mercado. Fato raro, senão inédito – numa seleção de seis concorrentes, três, a metade, chegam ao mercado ainda neste mês de maio. Entre eles, o grande vencedor do Cine PE de 2015 – Permanência, de Leonardo Lacca, que arrebanhou o prêmio de melhor filme, mais quatro Calungas, melhor atriz e atriz coadjuvante, para Rita Carelli e Laila Pas, melhor ator coadjuvante, para Genézio de Barros, e melhor direção de arte. O longa brasileiro pode ter levado o melhor filme, mas o melhor diretor – e outros dois prêmios de fotografia e roteiro – foram a celebração da autoralidade de Pedro Costa, que, além da mise-en-scène, co-assina as demais funções. “Cavalo Dinheiro” ganhou também o prêmio da crítica.
Os dois vencedores não poderiam ser mais diversos. O longa de Leonardo Lacca teve consultoria de Gregorio Graziosi no roteiro. Dialoga com Obra, e o curioso é que “Permanência”, embora esteja sendo lançado depois, foi filmado antes do longa de Graziosi. Irandhyr Santos saiu de um set para outro, e os dois filmes foram rodados em São Paulo. A cidade não é só paisagem – também é personagem em ambos. Irandhyr faz agora um fotógrafo de Pernambuco que realiza exposição em Sampa e se hospeda na casa da ex. É um filme sobre lembranças, afetos, (des)encontros. Tem momentos belíssimos.
“Cavalo Dinheiro” retoma o personagem Ventura, que o cinéfilo conhece de curtas de Pedro Costa e também da trilogia de Fontainhas do autor – formada por “Ossos”, “O Quarto de Wanda” e “Juventude em Marcha”. Ventura agora está doente e, numa cena, ao consultar o médico, ele diz que, se há uma coisa que conhece, são hospitais. Daí o formato peculiar do filme – ele se passa em dois tempos (1975 e 2013) e usa o espaço de tal forma que não parece um hospital, mas a soma dos hospitais que Ventura frequentou.
Reflexão sobre a doença e a morte, o filme usa o cenário fantasmagórico de Fontainhas para refletir sobre traumas passados e incertezas futuras de Portugal. O estilo é suntuoso. Mais que uma história, é uma sucessão de quadros encenados com admirável claro/escuro e rigoroso tratamento sonoro. Os personagens falam pouco, e de forma sussurrada. A música é pontual, mas quando entra – num clipe grandioso -, vira personagem como a paisagem. “Cavalo Dinheiro” foi o melhor filme do Cine PE, mas dá para entender a opção do júri, que premiou (bem) o concorrente ibero-americano, mas preferiu ressaltar a brasilidade do festival, dando o prêmio maior para Permanência.
Primeiro (concorrente) a estrear, “O Vendedor de Passados”, de Lula Buarque de Holanda, adaptado do livro de José Eduardo Agualusa, chegará às salas no dia 21, com o aval representado pelo prêmio de melhor atribuído a Lázaro Ramos. Na sequencia, dia 28, estrearão “Permanência” e “O Amuleto”, mas o longa de ‘gênero’ (terror) do talentoso Jefferson De não sensibilizou o júri do Recife, integrado pelo diretor José Eduardo Belmonte e pela atriz Djin Sganzerla. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
PREMIADOS
– Filme
“Permanência”, direção de Leonardo Lacca
– Diretor
Pedro Costa, por “Cavalo Dinheiro” (Portugal)
– Ator
Lázaro Ramos, por “O Vendedor de Passados”
– Atriz
Rita Carelli, por “Permanência”
– Ator Coadjuvante
Genésio de Barros, por “Permanência”
– Atriz Coadjuvante
Laila Pas, por “Permanência”