Cena do longa-metragem dirigido por Meirelles. |
São Paulo – E Fernando Meirelles continua fazendo história com Cidade de Deus. Mais importantes do que as 11 indicações de O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei e as 10 de O Mestre dos Mares, as quatro indicações que o filme adaptado do livro de Paulo Lins obteve ontem para concorrer aos prêmios da Academia de Hollywood em 2004 são inéditas na história do cinema brasileiro.
Você sabe -todo mundo fala mal do Oscar, que é um prêmio comercial, do cinemão, mas quando um filme é indicado a festa é enorme. Ainda mais um filme como Cidade de Deus, que teve quatro indicações, nas categorias de direção, roteiro, fotografia e montagem. Para quem sempre reclamou das más condições técnicas do cinema nacional vai ser duro assimilar esse reconhecimento, justamente no centro que produz o cinema tecnologicamente mais avançado do mundo.
“Estou chocado, mais do que feliz”, disse Meirelles numa entrevista por telefone, de Londres. Ele concorre ao prêmio de direção (feito que nenhum cineasta brasileiro conseguiu antes) com Peter Jackson, de O Retorno do Rei; Peter Weir, de O Mestre dos Mares; Clint Eastwood, de Sobre Meninos e Lobos; e Sofia Coppola, de Encontros e Desencontros.
Cidade de Deus concorre na categoria de roteiro adaptado com O Retorno do Rei, Sobre Meninos e Lobos, American Splendor e Seabiscuit: Uma Lenda Americana. Na categoria de montagem, com Cold Mountain, O Senhor dos Anéis, O Mestre dos Mares e Seabiscuit. Na de fotografia, com Cold Mountain, Girl with a Pearl Earring, O Mestre dos Mares e Seabiscuit.
O recorde de indicações para os filmes O Retorno do Rei e O Mestre dos Mares não chega a surpreender, porque ambos estiveram em quase todas as listas de melhores da crítica e de associações profissionais do cinema americano no ano passado. Dos demais indicados na categoria de melhor filme, vale lembrar que Encontros e Desencontros venceu o prêmio da crítica na Mostra Internacional de Cinema São Paulo e Sobre Meninos e Lobos está em cartaz no Brasil, com ótima bilheteria e apoio integral da crítica. O azarão na categoria de melhor filme é Seabiscuit, de Gary Ross, que não concorrerá ao Oscar de direção, substituído justamente por Fernando Meirelles.
Atrizes
Diane Keaton e Charlize Theron, que receberam no domingo à noite os Globos de Ouro de melhor atriz nas categorias comédia ou musical e drama, parecem as indicações mais fortes para o prêmio da categoria. Concorrem, respectivamente, por Alguém Tem de Ceder e Monster. Bill Murray e Sean Penn, que também ganharam o Globo de Ouro, são os mais fortes candidatos na categoria de melhor ator, indicados por Encontros e Desencontros e Sobre Meninos e Lobos.
O Brasil, que indicou Carandiru para o prêmio de melhor filme estrangeiro, ficou fora da disputa da categoria. Vão concorrer: As Invasões Bárbaras, do Canadá, que virou um fenômeno para o público de arte; Zelary, da República Checa; The Twillight Samurai, do Japão; Twin Sisters, da Holanda; e Evil, da Suécia. A festa de entrega do Oscar deste ano foi antecipada e ocorrerá no dia 29 de fevereiro.
“Estou mais chocado do que feliz”
São Paulo – Fernando Meirelles estava ontem em Londres, quando recebeu, por telefone, a notícia das quatro indicações de Cidade de Deus. O filme havia sido selecionado pelo Brasil para concorrer à indicação no ano passado, na categoria de melhor produção estrangeira. Não levou, mas como foi lançado em 2003 nos cinemas dos EUA, pôde habilitar-se às indicações em outras categorias.
Meirelles jura que não está fazendo gênero ao confessar sua surpresa. “A Miramax, que distribui o filme nos EUA, trabalhava com uma baixa expectativa, mas havia um publicista que estava animado. Ele colecionou todos os prêmios e indicações que Cidade de Deus obteve no ano passado ao redor do mundo. Foram mais de 20. Acho que ele era quem mais acreditava que isso poderia acontecer.”
Meirelles diz, em tom de brincadeira, que não sabe o que está ocorrendo com a Academia de Hollywood: “Indicar um filme brasileiro, finalizado em laboratórios do País, nessas categorias? Somos outsiders para eles, em termos de técnica, por isso essas indicações me surpreendem. Estou mais chocado do que feliz”.
Para ele, é a prova da maioridade do cinema brasileiro. “Vamos ter de enterrar o complexo de inferioridade dos que achavam que o cinema brasileiro era deficiente, do ponto de vista técnico. Mais do que uma vitória da excepcional equipe que consegui reunir, é uma prova de maioridade do cinema do País.”
O produtor Marc Beauchamps, da Lumière, estava no laboratório, no Rio, com o diretor Jayme Monjardim, tratando de detalhes do novo filme – Olga -, quando recebeu a notícia. Ficou feliz da vida. “A Academia corrige agora a injustiça que Cannes cometeu em 2002, mostrando Cidade de Deus fora de concurso, e que a própria Academia cometeu no ano passado, quando o filme não foi indicado para melhor produção estrangeira”.
Relançamento
Ele anuncia que Cidade de Deus será relançado na próxima semana, para aproveitar a repercussão do Oscar. “Imagino que conseguiremos colocar pelo menos duas cópias no Rio e duas em São Paulo”. Em Londres, Meirelles teve um dia agitado ontem. Pela manhã, encontrou-se com Danny Huston e à tarde, iria conversar com Ralph Fiennes. Ele trabalha na pré-produção do novo filme, O Jardineiro Fiel, uma adaptação do livro de John Le Carré. Está na fase de seleção do elenco. Meirelles ia filmar na África do Sul, mas agora optou pelo Quênia. “Em princípio, já defini o organograma de produção e vou estar no Quênia no dia da entrega do prêmio. Não sei se vou conseguir ir a Los Angeles”. Em seguida, reconsidera e diz: “Mas tenho de ir, não?”.
“O Retorno do Rei” segue como favorito
São Paulo – Tudo indica que a “prévia” do Globo de Ouro deve se repetir no Oscar, e o fecho da trilogia de O Senhor dos Anéis sairá vencedor nas categorias melhor filme e diretor (Peter Jackson). Neste caso, bastante provável, será a consagração, mais uma vez, do cinemão de entretenimento sobre o cinema mais “empenhado”, “artístico”, para usar uma terminologia démodé.
Bem, dirá você, essas diferenças não parecem mais tão claras hoje em dia e um grande filme também tem o direito de se dar bem na bilheteria. E terá razão, com uma ressalva: convém estabelecer algumas diferenças e comparações, para não cairmos no vale-tudo, que é a ante-sala da barbárie.
Então, entre os indicados para melhor filme, devemos também prestar atenção em pelos menos dois deles, que continuam em cartaz no Brasil – Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood e Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola. São dois belos filmes, o primeiro uma tragédia social e psicológica dirigida com mão de mestre, o segundo um elogio à sutileza das relações humanas. Tanto Sofia como Clint também concorrem à estatueta de direção, que, segundo o termômetro do Globo de Ouro deve ficar com Peter Jackson, de O Retorno do Rei.
Naomi Watts está maravilhosa em 21 Gramas e poderia ser eleita melhor atriz, com toda a justiça, o que não significa que isso vá acontecer. O mesmo se pode dizer sobre Sean Penn, comovente em Sobre Meninos e Lobos. Mas Bill Murray, com sua proposta intimista, entre o cômico e o patético em Encontros e Desencontros, não faria má figura.
Entre as categorias menos badaladas pela mídia americana, alguns títulos se destacam. Carandiru ficou de fora nas indicações de melhor filme estrangeiro, e nessa categoria aparece como favorito o canadense Denys Arcand com seu nostálgico As Invasões Bárbaras.
Também entre documentários esperava-se um brasileiro, Ônibus 174, de José Padilha. Não deu. No gênero, desponta um peso pesado, o impressionante The Fog of War, de Errol Morris e Michael Williams, longo depoimento de Robert MacNamara que lembra sua experiência como secretário de Estado durante a crise dos mísseis de Cuba e a guerra do Vietnã. Depoimentos arrepiantes, num filme forte e despojado. Mas o Brasil ainda dá o ar da graça indiretamente, na indicação do curta-metragem de animação Gone Nutty: o animador brasileiro Carlos Saldanha divide a direção com o americano John C. Donkin.