O anúncio no jornal estampava: “Procura-se artistas amadores e pessoas para trabalho remunerado em espetáculo teatral”. Em menos de 48h foram mais de 400 inscritos. Nesta sexta, 29, a Cia Hiato apresenta a montagem Amadores com 13 dos selecionados, ao lado de atores do elenco no palco do Teatro Anchieta, no Sesc Consolação.

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Entre eles está Rose Sforcin, uma senhora que já foi manequim, “hoje em dia, chamam de modelo”, ela acrescenta, e que traz um relato sobre a curta experiência vivida nas passarelas e uma história dramática sobre abortos espontâneos sucessivos que sofreu, após engravidar do primeiro filho. Apesar do constante sofrimento, Rose conta que, embora a sensação fosse de ter sido castigada por uma força divina, não desistiu nem perdeu o bom humor. “Eu não podia ver a cueca do meu marido que engravidava”, ela brinca ainda.

Ao lado da mulher também está Dom Lino, um homem trans que relata seu processo de mudança corporal e como isso afetou suas relações sociais. “Hoje, se eu vejo uma mulher desviar de mim ou de outro homem na rua durante a noite, eu entendo o que ela passa, porque eu já passei por isso.”

O encontro da Cia Hiato com essas memórias demonstrou que havia algo em comum entre elas. Para além dos sonhos que não se concretizaram, as pessoas não deixaram de lutar para sobreviver, como explica o diretor Leonardo Moreira. “Elas sonharam em ser artistas, mas por questões da vida e da sobrevivência, procuraram um emprego que servisse de sustento, em primeiro lugar”, conta. “Sempre houve, e ainda há, a ideia de que a carreira artística nos palcos é muito difícil e mal remunerada.” Ainda que houvesse um abismo que separasse amadores de seus desejos, quase todos insistiram em continuar praticando alguma manifestação artística, seja a música, o canto ou a dança, como o jovem Maurício Oliveira, que trabalha como operador de telemarketing e apresentou no palco um número de balé. “Isso nos ajudou a questionar o significado da palavra amador.” Moreira explica que parte da pesquisa da companhia para a criação do espetáculo tinha a intenção de compreender o sentido dessa palavra. “Os próprios artistas usam o termo amador de maneira pejorativa. Quando não gostamos de algo, simplesmente rotulamos como ‘amador’.” Para a atriz da companhia Paula Picarelli, a montagem promove um encontro no qual ela se sente reabastecida como profissional. “Eles têm uma paixão que muitos de nós já perdemos.”

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Ela explica que como toda profissão, a rotina pode ofuscar aquela paixão do início de carreira. “Durante a vida de um artista profissional, a correria pode causar uma certa dureza, mas que também faz parte do amadurecimento de toda prática. Diferentemente de nós, os amadores mantêm um idealismo bonito e uma visão bastante generosa das artes. Eles vêm para resgatar a inocência.”

E, para revelar essa pureza, nada como mostrar o avesso do espetáculo. Em um certo momento, a companhia decidiu abrir o orçamento de Amadores, ali mesmo, no palco. “Existe um certo rigor para falar abertamente sobre dinheiro, principalmente nas artes, porque nós aliamos isso às questões de qualidade e profissionalismo”, conta Moreira. “Na criação da montagem, encaramos isso e percebemos que o tema deveria ir para o palco, do jeito que estava.” Ele diz que o elenco inteiro mergulhou na ideia. “No palco, eles enumeram todas as despesas que resultaram na montagem da peça, desde a assessoria de imprensa, alimentação, até o cachê do próprio elenco.”

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O diretor também ressalta que, entre outras coisas, a peça vem denunciar aspectos da desigualdade social do Brasil podem transformar, em radical, a realidade das pessoas. “A montagem é um lugar para discutir qual a relação do dinheiro com o artista e de que maneira pode diferenciar e interferir na produção artística.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.