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‘Churchill’, humano, demasiado humano

O jornalista Paulo Francis dizia que Winston Churchill (1874-1965) era uma obra de arte. E que obras de arte não oferecem respostas conclusivas (ao contrário do que delas pensa parte da sociedade brasileira atual). Escrevia isso a propósito das múltiplas e contraditórias facetas do político inglês, líder conservador que conduziu seu país durante a 2.ª Guerra, compôs-se com Stalin, inventou o termo “cortina de ferro” e, depois da vitória, saiu derrotado das urnas. Quem foi Churchill?

O filme de Jonathan Teplitzky não tenta responder a essa questão impossível. Limita-se a retratar o primeiro-ministro num momento agudo de sua trajetória, as 96 horas que antecederam a Operação Overlord, desencadeada em 6 de junho de 1944. O desembarque na Normandia, ou Dia D, foi a gigantesca invasão (160 mil homens, 1.200 aviões, 5 mil barcos) da costa francesa, que iniciou a retomada do território aos nazistas e começou a encaminhar o final na guerra. A operação teve comando militar do general norte-americano Dwight Eisenhower e seu colega britânico Bernard Montgomery.

Ambos estavam convencidos de que o tempo de decidir a guerra havia chegado. Churchill hesitava. Traumatizado pela experiência na 1.ª Guerra Mundial, achava que a operação poderia terminar em carnificina. Lembrava do massacre de centenas de milhares de soldados em Galípoli, em 1915, e achava melhor adiar o desembarque. Mas, na queda de braço com os dois generais, teve de ceder. O filme se concentra nesse embate de bastidores.

Para os fãs de Churchill, o retrato traçado talvez pareça decepcionante. O leão britânico, vivido por um notável Brian Fox, é visto sem garras nem soberba. Doente, sentindo-se velho e cheio de dúvidas, é esnobado por Eisenhower (John Slattery), que o faz notar as mudanças nas técnicas de guerra e portanto sua inadequação militar naquele momento.

Além do mais, Churchill enfrenta uma crise conjugal com sua mulher Clemmie (Miranda Richardson) e não encontra qualquer apoio político para se contrapor às deliberações dos generais.

Enfim, é um Churchill enfraquecido e atormentado este que o filme propõe. Diferente, em tudo, da figura heroica e inabalável forjada pelos filmes e livros de história. Mas, ao contrário de apenas desconstruir negativamente um mito, o que Teplitzky faz é humanizá-lo.

Se Churchill é atormentado pelo medo da derrota e da carnificina, também é mostrado como político hábil, capaz de surfar a onda quando ela se apresenta de maneira inevitável. A princípio contra a operação, resolve acompanhá-la in loco, a bordo de um navio, decisão temerária, pois implicaria risco de vida. Terá de ser dissuadido pelo próprio rei Jorge VI, o rei gago, há pouco também retratado em filme.

Churchill é um filme de guerra fora do padrão habitual. Não mostra cenas de batalhas, mas apenas os cenários nos quais se decide o que vai ou não acontecer – e, em última análise, quem será sacrificado e em nome de quê. Repõe a questão da guerra em termos políticos e dá dimensão humana, portanto ambivalente, a um dos ícones incontestados da vitória aliada contra Hitler. Amplia nossa margem de visão. Não é pouco, embora se possam fazer restrições à obsessão claustrofóbica da filmagem e ao uso de metáforas tanto explícitas como duvidosas – a maré de sangue é a pior delas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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