Historiadores queriam ser a mosca vagando pelo quarto de Chuck Berry no momento em que o garoto pelo qual ninguém apostaria um cent, pela primeira vez, esticou a terceira corda com um dos dedos da mão esquerda enquanto seu indicador pressionou as duas primeiras no braço da guitarra Gibson. Um movimento tão simples, tão ingênuo e tão fundamental. Berry brincava com o tempo de seu riff de duas notas deslocando-o do forte para o fraco como um deus que sente ter acabado de abrir os céus decretando o velho passado e um futuro urgente com dois segundos de inspiração.
Sem Chuck Berry haveria rock, mas jamais haveria o mesmo rock. Nenhum guitarrista foi absorvido com a mesma intensidade por outros guitarristas, conscientemente ou não.
Keith Richards, Eric Clapton, George Harrison, Stevie Ray Vaughan, Jimi Hendrix, Jimmy Page, John Lennon, Johnny Winter. Suas frases curtas, duras, sem virtuosismo, não se tornaram uma das escolas de guitarra mas a linguagem da própria guitarra, independentemente de qualquer escola. Suas notas em repetição, insistentes nas tônicas, e sua introdução voraz de Roll Over Beethoven, que ele mesmo adaptaria para várias outras músicas sem nunca buscar recursos em distorções, disseram aos meninos do mundo que qualquer um deles, pobres, ricos, negros, brancos, talentosos ou desprezados, poderiam ser guitarristas. Era só fazerem o que ele fazia em dois segundos e o mundo jamais seria o mesmo.
Chuck Berry foi a única linha em comum a costurar as duas maiores bandas de rock do Planeta. Beatles e Rolling Stones, com toda a estratégia de ocuparem os polos opostos do grande palco que inauguraram no início dos anos 1960, não abriram mão de se auto declararem, igualmente, chuckberryanos. Keith Richards, o homem que mais lágrimas está derramando desde a noite de sábado, 18, seria um fracassado sem o aval que Berry concederia aos seus dedos longos e lentos. John Lennon, que poderia ter escolhido um curso de designer na Liverpool College of Art sem a contaminação de seus solos, não teria os mesmos traços que contrapunham à docilidade de Paul na personalidade revolucionária dos Beatles. Uma influência tão avassaladora que o faria usar versos de You Can’t Catch Me, que Berry fez em 1956, em Come Together, de 1969, fazendo desabar sobre sua alma um processo por plágio movido pelo próprio ídolo.
Chuck Berry fez milagre sem ser santo. Escreverão seus biógrafos, depois de levantarem suas pegadas, que foi ele, muitas vezes, o próprio demônio. Antes e depois de se tornar grande, enrugou a testa diante do desconhecido e agiu muitas vezes como um homem que não precisa da aprovação dos mortais para seguir em frente. Ao sair pelo mundo, para tocar em qualquer canto do Planeta, apanhava apenas sua guitarra e deixava a banda por conta dos contratantes locais. Um músico que não conhecesse o que ele havia feito simplesmente não poderia ser chamado de músico. Muitas vezes rude, dava poucos sorrisos e abandonava o palco se a noite não lhe interessasse mais. Fez isso no Brasil, em 2008, quando saiu de cena depois de 55 minutos de um show frio.
A ficha de Berry já havia começado a rolar antes mesmo da concepção do Novo Testamento do rock and roll. Um ano antes de conceber Roll Over Beethoven, em 1955, ele seria mais pagão do que cristão ao copiar nota por nota da introdução de Aint That Just Like a Woman, feita pelos metais da big band de Louis Jordan desde 1946, para criar o riff de guitarra mais clássico de toda a história, a abertura de Johnny B Goode. Não importava mais a ninguém a origem daquela revolução, mas o seu destino. Chuck Berry deixava ali de ser um homem para se tornar um gênero musical. “Você e Elvis Presley são ótimos, mas não são o Chuck Berry”, disse a mãe de Jerry Lee Lewys ao próprio filho. “Só existe um rei do rock. Seu nome é Chuck Berry”, afirmou Stevie Wonder. “Eu não consigo falar de Chuck Berry porque eu simplesmente copiei todos os solos que ele tocou na vida”, confessou Keith Richards.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.