Quando eram adolescentes e, obcecados por choro, decidiram ser músicos profissionais, os irmãos Luciana e Raphael Rabello partilhavam o desejo de se aprofundar no gênero, conhecer sua história, beber na fonte dos pioneiros. Com 15 e 16 anos, o violonista e a cavaquinista já integravam em 1977 o grupo Os Carioquinhas, com mais cinco instrumentistas, e copiavam à mão choros menos conhecidos do arquivo de Jacob do Bandolim no Museu da Imagem e do Som, para poderem tocá-los.

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Na condição de grande violão de sua geração, Raphael morreria precocemente em 1995. Nesta segunda-feira, 27, completam-se 20 anos dessa perda – e por total acaso do calendário -, Luciana concretiza o sonho antigo com a abertura da Casa do Choro.

Localizada na Rua da Carioca, coração do centro do Rio, o sobrado de 700 metros quadrados do começo do século 20 foi reconstruído internamente numa obra de quatro anos financiada por Petrobrás e BNDES. É multiuso: tem um teatro de 120 lugares, para shows e palestras, salas para aulas de diversos instrumentos, de piano a pandeiro, e um quarto andar para rodas de choro.

Abriga um tesouro: o maior acervo de partituras de choro do País, num total de 15 mil, que estão sendo catalogadas e digitalizadas para ficarem em consulta no site www.casadochoro.com.br. Tudo veio de coleções particulares.

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Há cadernos escritos por copistas, responsáveis pelo registro do que só se conhecia de ouvido; discos lendários, como os do Regional de Canhoto; objetos de alto valor simbólico, entre eles, uma flauta de Altamiro Carrilho e um violão de Raphael Rabello. O acervo de Pixinguinha, considerado pai do choro, não foi liberado pela família.

É a primeira vez que esse conjunto está disponível para os apreciadores do choro – tal qual Raphael e Luciana desejavam nos anos 1970. “Estou realizando isso por mim, por ele e pela música. Nós tínhamos uma dificuldade enorme, procurávamos uma escola de choro, mas só tinha de música erudita. Queríamos um lugar que fosse uma referência dessa que é a mais antiga e rica cultura musical que temos no Brasil”, conta Luciana, que batizou cada espaço da casa com o nome de um ícone da música: Raphael, Meira, Dino 7 Cordas, Garoto… “Na década de 1970, houve um boom de choro e só gravavam os óbvios, Brasileirinho, Delicado, Carinhoso, Noites Cariocas… Íamos ao MIS para descobrir outras e torná-las conhecidas.”

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A casa é um desdobramento da bem-sucedida Escola Portátil de Música, criada há 15 anos e com 1.100 alunos atualmente, incluindo crianças a partir de 6 anos. Parte dos cursos, pelos quais são cobrados preços populares (R$ 350 o semestre inteiro), ainda que ministrados por profissionais de nome na música, como o pianista Cristóvão Bastos e o bandolinista e violonista Pedro Amorim, será remanejada para o sobrado.

Da mesma geração de Luciana e Raphael, o cavaquinista Sergio Prata, vice-presidente do Instituto Jacob do Bandolim, acredita que Jacob, um estudioso aplicado, estaria “maravilhado” com a criação, enfim, de uma fonte de pesquisa permanente sobre o choro. Os arquivos do instituto, fotos e mais de 400 horas de gravações feitas por Jacob, ficarão à disposição do público na casa.

“Jacob foi o primeiro músico a entender que o choro é um patrimônio cultural criado pelo povo brasileiro e tem que ser preservado. Ele começou a pesquisar ainda nos anos 1930, juntava partituras, registrava tudo com seu gravador. Acho que a casa está condenada ao sucesso”, afirmou Prata.