Chico Buarque ganha musical

Charles Möeller e Claudio Botelho já transitaram pelos mais diferentes musicais americanos, desde clássicos como O Mágico de Oz até eternamente modernos como Hair. Mas eles nunca esconderam sua paixão por Chico Buarque, o autor brasileiro de teatro musical que mais se dedicou ao gênero desde os anos 1960. “Já havíamos montado Ópera do Malandro, Suburbano Coração e Na Bagunça do Teu Coração, que é uma revista com composições do Chico”, conta Botelho. “Mas queríamos criar algo mais focado nas canções.” Foi quando nasceu Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos, que estreia na sexta-feira, 8, no Teatro Faap.

Não se trata de um recital tampouco de uma apresentação cronológica – Möeller e Botelho decidiram criar uma peça inédita em que os textos são as canções. Uma trupe teatral, vivida pelo próprio Botelho, além de Soraya Ravenle, Malu Rodrigues, Andre Loddi, Estrela Blanco, Felipe Tavolaro, Lilian Valeska e Renata Celidonio, viaja por diversas cidades, apresentando suas peças.

O chefe do grupo (vivido por Botelho), já idoso e com a memória comprometida, decide registrar no papel as lembranças que ainda guarda, anotando momentos de sucesso, encontros e desencontros amorosos, cuja harmonia é desestabilizada pela chegada de uma nova integrante (papel de Malu). “Nossa inspiração foram as antigas companhias de teatro, chefiadas normalmente por casais, como Walmor e Cacilda, Odilon e Dulcina, Maria Della Costa e Sandro Polônio, grupos que mambembaram pelo País de ônibus, trem e que certamente colecionaram histórias de glória e traição”, explica Botelho.

Com a história arquitetada, o próximo passo foi alinhavar as canções de Chico – um trabalho nada dificultoso, pois Möeller e Botelho são especialistas na obra buarqueana. Tal conhecimento foi essencial para a descoberta do diálogo entre canções aparentemente tão distintas. “Assim, unimos músicas de espetáculos totalmente não comunicantes, como Roda Viva e Calabar, O Corsário do Rei e O Grande Circo Místico, República dos Assassinos e Para Viver um Grande Amor”, conta Botelho. “O objetivo é mostrar a magnitude dessa obra como exemplo de arte, que resiste mesmo fora do contexto original. Tudo é encenado, somos todos personagens dessa trupe inventada.”

Ele conta que estrutura do musical foi inspirada em uma montagem inglesa, Todas as Peças de Shakespeare em 97 Minutos, criada pelo grupo The Shakespeare Reduced Company. Ali, acontecem encontros improváveis como Hamlet e Lear, Othello e Falstaff, criando uma nova e irreverente peça (o The New York Times classificou-a como mais “impiedosa que as sátiras do Monty Python”), sem deixar de reverenciar

o bardo.

“Com as obras que criou para o teatro musical, Chico se equipara em importância a Stephen Sondheim, um dos mais importantes criadores da Broadway de todos os tempos. Só lamentamos que ele não tenha continuado a criar mais”, comenta Möeller.

A dupla contou com apoio integral de Chico Buarque que, se não palpitou na elaboração do espetáculo, revelou seu contentamento ao acompanhar uma sessão, durante a turnê no Rio de Janeiro. Chico até se surpreendeu com o poder de apuração da dupla – ele não se lembrava, por exemplo, da pouco conhecida canção Invicta, que praticamente estava inédita. “Recuperei uma cópia em videocassete de Suburbano Coração, de 1989, para saber qual era a melodia, pois só dispunha da letra.”

Quem mais participou do processo de criação foi o produtor do compositor, Vinícius França. “Ele sugeriu uma canção que não tínhamos pensado, tema do filme Joana Francesa”, lembra Botelho. “Foi logo incorporada.”

O resultado surpreende o público pela elaboração e criatividade. Com pleno domínio das técnicas teatrais, Möeller criou um cenário expressionista para abrigar pequenas obras primas cênicas para cada canção, em que a palavra é valorizada. “Como o elenco é predominantemente formado por jovens, o primeiro trabalho foi cada um descobrir a força da letra para só depois se preocupar com a melodia.” As canções foram gravadas em um CD duplo, já à venda pela Biscoito Fino. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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