Chico Buarque faz 60 anos longe das comemorações

Chico Buarque completa seis décadas de existência hoje, mas evitou ficar no centro de qualquer comemoração. Nem quis dar entrevistas sobre a data e as homenagens em torno dela. Para os íntimos andou dizendo: “Acho uma bobagem isso tudo. Não estou fazendo aniversário de carreira, são 60 anos de idade. E não vejo a menor graça nisso. Ainda bem que a gente não envelhece de uma hora para outra, assim vai acostumando com a idade”.

Os familiares confirmam: nada de agito. “Ele não quer nem fazer 60 anos, que dirá dar uma festa!”, assegura a irmã Miúcha. “Papai nunca foi de comemorar aniversário e este ano será do mesmo jeito”, garante a filha Sílvia.

O silêncio do homem discreto, sempre avesso à exposição desnecessária, é uma afronta sábia à grotesca roda-viva das celebridades no país da delicadeza perdida. Mas a engrenagem em torno da efeméride não pára. O lado bom é que o Chico sexagenário, que cogitou até se refugiar em Paris, é lembrado em música, teatro, literatura – searas em que o múltiplo artista deixou impressão digital como poucos -, virou tema de tese de doutorado do pesquisador Luca Bacchini na Itália e de exposição no Rio, vai aparecer em programas de tevê e até num livro-agenda Anotações com Arte, criado pelo produtor Fred Rossi para 2005.

A gravadora BMG lança hoje a caixa Francisco, com 12 CDs, lançados entre 1987 e 2003, mais dois DVDs, os únicos de sua carreira. A montagem do musical Ópera do Malandro, dirigida por Charles Möeller e Cláudio Botelho, é o maior êxito da temporada carioca, com casa lotada há dez meses no Teatro Carlos Gomes, e vai estrear em São Paulo no dia 15 de julho, no Tom Brasil. A exposição Chico Buarque – O Tempo e o Artista será aberta terça-feira na Fundação Biblioteca Nacional, do Rio.

Além do sucesso de seu terceiro romance, Budapeste (2003), em negociação para ser vertido para 15 idiomas, a Companhia das Letras relança com novas capas os anteriores Estorvo e Benjamim, este recém-adaptado para o cinema. O americano Paul Auster lerá trechos de Budapeste na Flip – Festa Literária Internacional de Parati, que começa no dia 7 de julho e da qual Chico é um dos palestrantes. As livrarias já receberam também dois ótimos títulos de ensaios sobre o artista. Um é Folha Explica Chico Buarque (PubliFolha, 184 págs., R$ 19,90), assinado por Fernando Barros e Silva. O outro é Chico Buarque do Brasil, organizado por Rinaldo Fernandes.

Paris é o provável destino do aniversariante Chico Buarque.

Lembre-se, não procure Chico Buarque para cumprimentá-lo pelos 60 anos.

Os diversos talentos de Chico

Um escritor brilhante

Em uma entrevista a um jornal argentino em 1999, Chico Buarque de Holanda confessou que se achava mais inovador em sua literatura que nas letras de suas canções. E, se assim acreditava, era para reforçar também a influência literária que sempre marcou suas histórias em livros. Foi assim, por exemplo, com a história infantil Chapeuzinho Amarelo (1979), surgida a partir das fábulas que contava para a filha Luisa. Ou ainda em Fazenda Modelo (1974), que imediatamente remete a Revolução dos Bichos, de George Orwell, mote escolhido para revelar e criticar a difícil situação vivida então pela sociedade brasileira, tolhida por uma ditadura militar.

O grande passo de Chico Buarque, porém, foi dado com Estorvo, publicado em 1991, em que o próprio autor considera a virada para a maturidade literária. Trata-se de uma nova fase de sua escrita, em que ele busca alternativas para expressar seu pensamento. Conta, basicamente, a trajetória de um homem que não se sente bem em nenhum ambiente onde está.

Chico Buarque: o compositor de trilhas

Em quase 40 anos de carreira, Chico Buarque virou a exceção que confirma a regra -nem toda unanimidade, ao contrário do que dizia Nelson Rodrigues, é burra. Chico já surgiu, instantaneamente consagrado, como grande músico e poeta popular – um novo Noel Rosa – com A Banda.

É difícil imaginar um filme como Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto, sem a música que Chico e Milton Nascimento compuseram. Ele também produziu clássicos para outros filmes – Eu Te Amo, de Arnaldo Jabor, e Vai Trabalhar, Vagabundo de Hugo Carvana. A melhor parceria no cinema, talvez tenha sido com Cacá Diegues. Joana Francesa, a valsa triste que compôs para o belo filme com Jeanne Moreau foi uma espécie de prelúdio para a esfuziante trilha de Bye Bye Brasil. E Chico foi ator de Quando o Carnaval Chegar, outro filme triste. Sobre a expectativa de uma festa que só poderia ocorrer, e efetivamente ocorreu, com o fim da ditadura militar. Chico compôs, na mesma linha, uma de suas obras-primas imortais, Vai Passar. Foi também ator de Júlio Bressane, fazendo o Noel Rosa de O Mandarim.

Chico na ópera

Chico Buarque é autor do maior êxito teatral da década no Rio. A remontagem da Ópera do Malandro está há dez meses no Teatro Carlos Gomes, com todas as récitas lotadas. Já foi vista por 130 mil pessoas que compraram o disco, a camiseta e outros souvenirs da peça. “As pessoas querem levar um pedaço daquilo com elas”, comenta o diretor Charles Möeller, que dividiu a tarefa com Cláudio Botelho, seu parceiro em sucessos como Company, Suburbano Coração (também com músicas de Chico) e Cole Porter – Ele nunca disse que me amava. “Confiávamos no texto, nas canções do Chico, mas não esperávamos esse fenômeno.”

A versão original da Ópera do Malandro, que estreou em junho de 1978, fez sucesso, mas nada parecido com agora. Na época, o foco era a crítica à ditadura militar que agonizava. “Tiramos essa conotação política e contamos a história de amor e o fim da malandragem”, explica Möeller. “Queríamos mostrar às novas gerações a origem de clássicos como Folhetim, Homenagem ao Malandro. O espetáculo é uma superprodução, com 22 atores, 20 músicos tocando ao vivo arranjos criativos de Liliane Secco, cenários e figurinos ricos e um elenco afinado, com gratas surpresas.

O que elas vêem nele?

Já se tornou folclórica a sedução que Chico exerce sobre as mulheres. Mas agora falando sério, por que ele é tão atraente? A julgar pelas entrevistas colhidas pela reportagem, um dos aspectos fundamentais – para além da evidente beleza de sua poética e de seus olhos – é a sua discrição, a forma elegante como preserva sua vida privada, qualidade atualmente rara entre famosos, cada vez mais falastrões, exibicionistas, prepotentes e tolos.

Se a discrição é a qualidade mais apontada no ‘homem’ Chico, a obra é admirada sob muitos ângulos. Porém, o que mais seduz as mulheres é a forma como ele as retrata em suas músicas. “Nenhum outro compositor compreende a alma feminina como ele. Ele tem uma capacidade ímpar de traduzir poeticamente as coisas mais cotidianas do amor”, diz Walderez de Barrros. Para reforçar seu argumento, ela lembra os versos de uma canção sobre separação, Eu te Amo: “como (partir) se na desordem do armário embutido/meu paletó enlaça o teu vestido/e teu sapato ainda pisa no meu” ou “teus seios ainda estão nas minhas mãos”.

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