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Chico Brown chega aos poucos

Há ali uma mistura genética que os cientistas interessados em música poderiam procurar desenvolver para ser aplicada em larga escala. O samba do Recôncavo Baiano, mais marcado que o carioca, matriz de todas as rodas e timbaladas de Salvador, corre na gene do pai. A poesia rebuscada do amor realizado e do desamor desesperado, levada por uma linha melódica de destinos que nunca se espera, vem do sangue do avô. Chico Brown, 21 anos, tem o Chico do avô, Chico Buarque, e o Brown do pai, Carlinhos Brown. Se vai seguir o que o mapa genético indica? Nunca se sabe.

O fato é que Chico Brown começou bem. “Vou cantar agora a música do meu parceiro mais querido”, diz Chico Buarque nos shows de sua turnê mais recente, Caravanas. Ele ouve os aplausos e começa Massarandupió. “No mundaréu de areia à beira-mar / De Massarandupió / Em volta da massaranduba-mor / De Massarandupió / Aquele pia / Aquele neguinho / Aquele psiu / Um bacuri ali sozinho…”

A letra é de Chico Buarque e a melodia é de Chico Brown. Ou quase isso. “Ele fez 10% da música”, faz justiça o neto de Chico Buarque. Ainda assim, a aparição assinando 90% de uma melodia das mais belas do disco Caravanas selou a estreia. Uma sequência de intervalos de uma escala pentatônica que veio primeiro em um sonho antes de ser aprimorada caiu na malha de Chico Buarque. Vieram então os arranjos de cordas e a levada ternária que marca as valsas do avô.

Chico Brown chega aos poucos. Na noite desta quarta-feira, 18, ele faz um show em São Paulo, na Casa de Francisca, como forma de testar seu repertório. Será apenas ele, indo às vezes ao violão e em outras ao piano. Vai ter músicas inéditas que entregam, afinal, onde mais bebe o filho de Carlinhos Brown. Seu primeiro disco solo deve sair no começo do segundo semestre, como mais parcerias entre ele e o avô.

Se estar no palco em um formato mais intimista o deixa mais à vontade? A resposta já mostra que Brown tem personalidade. Ou ingenuidade. “Não, eu preferiria estar com meu grupo mesmo. Fico mais nervoso por tocar sozinho, mas eu já tinha planejado isso.” As influências musicais que diz ter não passam necessariamente por sua casa. Ele cita a banda Focus, os compositores Debussy e John Williams, Tom Jobim, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Lula Cortes e Luiz Gonzaga.

Chico nasceu no Rio mas foi para Salvador ainda bebê. É como um baiano legítimo que ele fala, com uma certa malemolência do pai. Um dia, Chico Buarque percebeu no menino algo saindo da curva. “O melhor músico da família”, como o chamava, possuía ouvido absoluto. Ou seja, desde criança o neto do compositor sabia identificar as notas que ouvia pelos nomes. “Foi ele quem percebeu que eu tinha uma audição excepcional. Ele tocava e pedia para eu adivinhar a nota que estava tocando.”

O piano veio antes, o que pode explicar um meio de compor mais independente. As melodias chegam muitas vezes sem a necessidade de um instrumento. Aos 12 anos, a guitarra entrou na sua vida e Chico voltou para o Rio de Janeiro. Antes de se decidir pela música, chegou a flertar com a área de produção, em setores mais técnicos, mas compor foi mais forte. “Me lembro que comecei a tocar no piano da minha avó, ela deve ter essas recordações”, diz ele, referindo-se a Marieta Severo, que se lembra do neto como um pequeno prodígio.

Ainda pequeno, Chico Brown fez a primeira letra de música de sua vida. Assim que aprendeu a falar, passou a chamar o avô não de Chico, mas de Vô Ico. A expressão foi parar em uma música do grupo Timbalada.

A parceria com a avô deve aumentar em breve. Chico Buarque está com duas melodias prontas para ganhar letras. A dinâmica em família é interessante. “Às vezes estou tocando em família e ele percebe algo. Ele quer colocar letra em uma música que eu estava tocando em um almoço de domingo.” Um detalhe interessante é que Chico Buarque sempre escolhe temas que Brown pensava ter feito para serem instrumentais. “Mas ele vem e vai transformando tudo com letras.”

Chico vem de uma linhagem do tempo que o faz o primeiro descendente dos Buarques na ativa nascido e criado nos meios digitais. Se o avô e o pai ainda se comportam como aprendizes e observadores das redes, ele se sente na obrigação de alertá-los. “Hoje, todos os nossos melhores e piores momentos estão prontos para serem explícitos. Tudo mudou demais.”

CHICO BROWN

Casa de Francisca.

R. Quintino Bocaiuva, 22, Sé; tel. 3052-0547. 4ª (18), às 21h30. Abertura da casa: 19h30. R$ 53

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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