Kate Winslet foi fundo na tentativa de conseguir o papel de Aileen Wournos no filme que a diretora Patty Jenkins queria realizar sobre a serial killer americana, condenada à morte pelo assassinato de seis homens. Kate já ostentava no currículo o papel da garota que se associa à amiga para matar a mãe em Almas Gêmeas, que o neozelandês Peter Jackson realizou muito antes de se atracar com o projeto grandioso de O Senhor dos Anéis. Aileen era gay e feia, não que uma coisa dependa da outra. Kate é uma bela mulher. Mas a diretora tinha uma idéia que poderia até parecer bizarra. Ela queria que outra mulher, ainda mais bonita, fizesse o papel. E escolheu Charlize Theron. O resultado, você sabe – Charlize subverteu o estigma da mulher bonita (loira!) que Hollywood gosta de usar como ornamento nos filmes. Provou que tem talento e ganhou o Oscar.

Monster – Desejo Assassino estréia hoje e é muito possível que uma leva de espectadores corra aos cinemas para avaliar a justeza da premiação de Charlize. Ela é boa. E Charlize, mesmo sendo boa, não é excepcional – o que o júri do Festival de Berlim deste ano presidido por uma atriz vencedora do prêmio da academia (Frances McDormand, de “Fargo”), deixou claro ao atribuir-lhe o Urso de Prata, o que já era esperado, mas fazendo Charlize pagar o mico de dividir a premiação com uma amadora que nunca havia feito nada antes, em cinema ou teatro, e cujo papel em Maria Llena Eres de Gracia não exige o menor esforço de composição – Catalina Sandino Moreno.

O filme até conta bem a história de Aileen, condenada por matar seis clientes no tempo em que rodava bolsinha em lugares ermos de pequenas cidades americanas ou na estrada. Logo de cara, Aileen é uma garota que quer ser Marilyn Monroe, mas não tem physique du rôle. Ela sofre sucessivas rejeições. Vira prostituta. Encontra, na personagem de Christina Ricci, o amor – ou o que lhe parece ser o amor. Aileen vai fazer de tudo para conservar a garota, até matar. A prostituta feia e violenta mata seis clientes, mas a maioria deles merece. São homens abjetos.

O Festival de Berlim deste ano fez uma grande retrospectiva para lembrar o cinema independente americano produzido nos anos de ouro dos indies -1966/76. Boa parte daquela produção foi feita nos anos da contracultura, impregnada de contestação aos códigos de Hollywood. O visual feio e vulgar de “Monster” não é a conseqüência de a diretora, por exemplo, ter errado a mão. Aqueles motéis sórdidos, os bares, os banheiros, as roupas, tudo segue um projeto ambicioso. Patty Jenkins não quer só viajar na mente de sua assassina que é (e não é) um monstro. Quer recriar uma época, um estilo de cinema. “Monster”, na verdade, é um filme muito ambicioso.

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