São Paulo – Ele foi um grande coadjuvante do cinema norte-americano e teve belos papéis no começo da sua fase de astro. Mas Charles Bronson preferiu ganhar dinheiro fazendo justiceiros urbanos em séries detestadas pelos críticos. A conseqüência é que, nos últimos 25, talvez 30 anos de sua carreira, ele só recebeu pancadas. Há que avaliá-lo agora na íntegra e não apenas por esse derradeiro (e indigno) ato. Bronson foi grande. Há anos estava inativo, devido a problemas de saúde. Tinha 81 anos e revelava o peso da idade com seu rosto que foi ficando cada vez mais amargo. Morreu no sábado, de pneumonia, no centro hospitalar de Cendars-Sinai, em Los Angeles. Seu fim de vida foi doloroso para os que o cercavam. O herói de ação, o homem que batia e arrebentava e que nos filmes tinha aquela mão que sempre empunhava a pistola, há tempos sofria do mal de Alzheimer.
Charles Bronson, a bem da verdade, nunca existiu. Foi um nome fantasia a que Charles Buchinski recorreu, no momento em que começava a deslanchar na carreira. Começou assim, Buchinski, nos anos 50, fazendo papéis de índio em westerns como O Último Bravo (Apache) e Vera Cruz, de Robert Aldrich. Por seu tipo físico, os primeiros filmes eram preferencialmente bangue-bangues, nos quais representa peles-vermelhas ou pistoleiros de maus bofes.
O “cara de pedra” começou a destacar-se nos westerns de Aldrich, mas logo estava atuando também para Delmer Daves (Ao Despertar da Paixão) e Samuel Fuller (Renegando o Meu Sangue). Fez também filmes de terror (Museu de Cera, de Andre De Toth) e de gângsteres (Dominados pelo Ódio/Machine Gun Kelly, de Roger Corman). E assim foi construindo sua reputação. Voltou a trabalhar com Aldrich, que foi sempre um de seus diretores preferidos, como um dos apóstolos da violência do poderoso drama de guerra Os Doze Condenados. Antes disso, fez dois filmes cultuados de outro mestre de ação, John Sturges – o western Sete Homens e Um Destino e a aventura de guerra Fugindo do Inferno, ambos também interpretados por Steve McQueen e James Coburn.
Virada
E, então, passou-se alguma coisa em 1968, quando Sergio Leone fez Era Uma Vez no Oeste, dando ao spaghetti western a sua carta de nobreza. Leone, italiano, não tinha a mesma relação dos cineastas americanos com a mitologia do Velho Oeste. Ele usou Henry Fonda num emprego contrário ao que caracterizava a presença do ator na tela. Fez dele um vilão sinistro e ainda vestiu-o com a capa longa que Lee Marvin, como Liberty Valance, usava em O Homem Que Matou o Facínora, de John Ford. Para enfrentar esse pistoleiro aparentemente invencível, chamou Charles Bronson, o eterno coadjuvante, que também trouxe para o papel a persona que havia criado no western, só que empregada, como a de Fonda, em sentido inverso. Ele, que foi muitas vezes o vilão, virou o mocinho, Harmônica.
Sucesso
Tão grande foi o sucesso -e Bronson estava na Europa, não se deve esquecer – que não causou espanto quando um diretor francês de certo prestígio, embora detestado pela nouvelle vague, deu-lhe o papel de astro em O Passageiro da Chuva. Bronson já havia dividido com Alain Delon a cena de Adeus Amigo, que Jean Herman dirigiu em 1967 (portanto, antes do clássico de Leone). Mas foi O Passageiro que impôs em definitivo o carisma do ator. O gélido thriller de Clément fez dele o estranho que irrompe na vida de Marlène Jobert, tentando extrair dela a confissão de que matou um homem.
Bronson estourou, definitivamente, nas telas do mundo. Mas virar astro não lhe fez muito bem, ou foi a aproximação do diretor inglês Michael Winner que lançou sua carreira por rumos inesperados e decepcionantes? O primeiro trabalho conjunto dos dois foi um western, Renegado Impiedoso, no qual Bronson fazia o papel de mestiço índio. Vieram depois Assassino a Preço Fixo e Jogo Sujo, que ainda tinha certa força, senão exatamente qualidade. O desastre começou com o sucesso de Desejo de Matar em 1974, no qual Winner pôs o astro Bronson na pele de um certo Paul Kesey, arquiteto que vira justiceiro urbano para vingar a chacina de sua família. O próprio Winner prosseguiu com a série e Bronson foi ficando cada vez mais violento. Quando J. Lee Thompson assumiu a franquia, ele já não era nem um pouco diferente dos criminosos que perseguia, mas permaneceu sempre como o herói aos olhos do público.
Os brutos também amam
A partir dos trabalhos com Winner e Thompson, os críticos, com razão, moveram guerra ao cara de pedra, apontando-o como um dos responsáveis pela nova onda de violência que assolou o policial – e prosseguiu, ainda mais assustadora, quando Sylvester Stallone vestiu o modelito Desejo de Matar para ir mais longe no rumo da selvageria humana, em Stallone Cobra, de George Pan Cosmatos, nos anos 80. Dessa última fase, o filme menos ruim talvez seja O Último Búfalo Branco ou Caçada da Morte, de J. Lee Thompson, de 1977, um western no qual Bronson interpreta o lendário Wild Bill Hickok, em busca do búfalo do título, representação da morte. Foi esse o único filme, entre os nove que o diretor fez com o ator, capaz de lembrar que também Thompson, no começo de sua carreira, era um cineasta talentoso, com filmes como Uma Sombra em Sua Vida e Marcados pelo Destino, para não falar em Círculo do Medo, do qual que Martin Scorsese gosta tanto que até fez o remake, intitulando-o Cabo do Medo.
Tranqüilo
Violento na tela, Bronson foi um homem quase sempre tranqüilo na vida. No começo dos anos 60, envolveu-se no que foi um escândalo explorado pela imprensa sensacionalista, embora a repercussão do caso tenha sido um tanto abafada pelos amores clandestinos de Elizabeth Taylor e Richard Burton, que causavam muito mais furor na época. Durante a rodagem de Fugindo do Inferno, Bronson ficou muito amigo do ator David McCallum, o Ilya Kiriakin da série de TV O Agente da U.N.C.L.E, que interpretava o prisioneiro cego do campo nazista, na superaventura de John Sturges.
Na tela, Bronson protegia McCallum, terminando por sacrificar-se por ele. Na vida, iniciou um romance com a mulher do ator, Jill Ireland, que abandonou o marido. Casaram-se e ela teve pequenas participações em vários filmes dele. Jill não era espetacularmente bela e também não era talentosa, mas Bronson a amou e eles viveram num clima de romance até a morte dela, de câncer, em 1990. Os seis anos em que Jill lutou contra a doença renderam um livro autobiográfico, Life Wish – Vontade de Viver, em contraponto a Desejo de Matar -, no qual ela destaca o apoio que sempre teve do cara de pedra. Era um bruto, mas quem disse que os brutos não amam?
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