Nos anos 1970, o filósofo francês Edgar Morin visitava o Brasil quando assistiu ao programa de TV de Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Com o dom do improviso e senhor de uma alegria circense, o apresentador impressionou o intelectual estrangeiro, que elegeu o anárquico animador de plateias um fenômeno da comunicação em massa. “Agora quero ver o que vão dizer os críticos brasileiros, que me chamam de débil mental”, desabafou, na época, o animador, frase hoje repetida por Stepan Nercessian, em um momento crucial de Chacrinha – O Musical, espetáculo sobre a carreira do Velho Guerreiro que estreia no Teatro João Caetano, no Rio, nesta sexta-feira, 14.

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“Charles Chaplin subdesenvolvido”, na observação de Nelson Rodrigues, Chacrinha (1917-1988) revolucionou a TV brasileira ao comandar extravagantes concursos de calouros, revelar grandes nomes da música brasileira e inventar bordões tanto originais como infames. Fora de cena, porém, revelava-se um homem bipolar, meticuloso com o trabalho mas impaciente com a mulher e os filhos, disparando palavrões e criando quadros geniais para o Cassino do Chacrinha. “Não deixou herdeiros, apenas seguidores”, constata o jornalista Pedro Bial, autor do roteiro do musical ao lado de Rodrigo Nogueira.

Estreante como diretor de teatro, o cineasta Andrucha Waddington brinca ao definir Chacrinha – O Musical como um espetáculo formado por dois longos planos-sequência: o primeiro e o segundo atos. Na verdade, a divisão mostra a mudança radical na vida de José Abelardo Barbosa de Medeiros, o pernambucano que não concluiu o curso de medicina para se tornar locutor na Rádio Tupi do Rio, em 1939, até se consagrar como Chacrinha, grande comunicador que logo chegou à TV, fantasiado, com uma buzina estridente pendurada no pescoço e sempre disposto a jogar, sem cerimônia, objetos no auditório, de bacalhau a farinha.

“Ele foi o primeiro palhaço da TV brasileira, o artista que arrancou a gravata e passou a tratar o espectador sem nenhuma cerimônia”, comenta Pedro Bial, autor do roteiro do musical, escrito em parceria com Rodrigo Nogueira. “Fazemos um tributo à imaginação ao mostrar como foi inconsciente o processo de transformação de Abelardo em Chacrinha.”

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Com um orçamento de R$ 12 milhões, a montagem, assinada pela Aventura Entretenimento, maior produtora de musicais do País, conta com dois atores para o papel principal: Leo Bahia, jovem notável que despontou com uma versão descompromissada de The Book of Mormon, vive o jovem Abelardo Barbosa. Assim, no primeiro ato, é narrada sua infância e juventude até a descoberta do talento para comandar programas de rádio. Até esse momento, a cenografia de Gringo Cardia aposta no tom ocre da terra e no preto e branco das xilogravuras que compõem o cenário.

“Quem o conheceu, dizia que ele era uma pessoa no palco e outro na vida”, comenta Bahia. “Mas, na minha opinião, Chacrinha era um alter ego de Abelardo, uma versão mais exacerbada dele mesmo.”

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No segundo ato, acontece transformação semelhante ao Mágico de Oz: um colorido desinibido invade o palco, que retrata o Cassino do Chacrinha, programa de auditório líder de audiência, no qual o desfile de jovens talentos da música (Titãs, Paralamas, Caetano, Sidney Magal, Rosana, Raul Seixas, Elba Ramalho, Roberto Carlos foram alguns) cruzava com o show de calouros, que eram buzinados ou ganhavam o troféu abacaxi. A anarquia se completava com a presença das chacretes, como Rita Cadillac, e dos jurados, com destaque para Elke Maravilha e Pedro de Lara.

Nesse caos aparentemente desorganizado, Chacrinha reinava. E Stepan Nercessian reproduz com perfeição seus trejeitos de voz, os braços sempre esticados, o tique de arrumar os óculos com a mão direita. E também a profusão de palavrões que soltava fora do ar, preocupado com os índices do Ibope e com a ansiedade, que combatia com ansiolíticos. “Como tinha o intestino solto, ele vestia até sete cuecas com medo de se borrar durante o programa”, conta Bial.

O musical vai apresentar surpresas ao longo das semanas. Como chamar pessoas do público para participar como calouros no show. Também artistas farão participação especial, como Sidney Magal e Xuxa, relembrando o passado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.