Impossível não cogitar a palavra ?tempo? ao mencionarmos Júlio Verne. O nome do escritor francês parece estar atrelado à ficção futurística assim como Che Guevara (1928-1967) à revolução guerrilheira. Mas o que duas personalidades aparentemente tão distintas podem partilhar em comum afora o fato de terem nascido no mesmo ano apenas com um século de diferença?
O escritor francês mais traduzido no mundo nasceu na cidade de Nantes em 8 de fevereiro de 1828, mudando-se para Paris aos vinte anos para satisfazer a vontade do pai e estudar Direito. Alexandre Dumas (Os Três Mosqueteiros) incentivou-o a escrever sua primeira peça Palhas Quebradas em 1850. Em 1857 casou-se com Honorine, uma viúva de 26 anos que já tinha duas filhas e com a qual teve um filho, Michel. Apenas em 1862, então com 35 anos, lançou seu primeiro livro que alcançaria a fama, intitulado Cinco semanas em um balão. O editor Pierre Jules Hetzel foi fundamental para a decolagem do livro, que iria chamar-se Viagem no Ar e foi renomeado e reescrito de acordo com seus conselhos. Definido seu estilo aventureiro que o consagraria como um dos maiores nomes da literatura do século XIX, Júlio Gabriel Verne iniciou sua vasta bibliografia que ainda está à espera de ser catalogada: diz-se que escreveu 80 romances e 15 peças para teatro.
Com uma minúcia apaixonada, o pai da ficção científica descrevia em seus romances paisagens sub oceânicas inteiras, antes mesmo do advento do mergulho autônomo, bem como detalhava a atmosfera lunar antes de Neil Armstrong ter dado o ?pequeno passo para o homem e grande passo para a humanidade? mas engana-se quem pensa que Verne vivia apenas no mundo da lua. Muito embora o autor de Vinte Mil Léguas Submarinas situasse suas histórias no porvir, elas não eram totalmente desprovidas de cunho social.
Tome-se por base o romance Paris no Século XX: a narrativa inicia-se na industrializada Cidade Luz dos anos sessenta, onde Michel Jérôme é um jovem intelectual que sobrevive em uma insensível sociedade mecanizada que o taxa de inútil por amar a leitura e as línguas clássicas. A sinopse, que bem poderia ser situada nos dias de hoje, trata-se de um livro ironicamente escrito cem anos antes, em 1863, pela fértil mente desbravadora do literato do futuro.
Débora Fuks é jornalista.