A assinatura pessoal e intransferível da obra autoral de Djavan perceptível já no primeiro álbum do compositor, A voz, o violão, a música de Djavan, lançado em 1976 pela gravadora Som Livre, não impediu que, ao longo desses 30 e poucos anos, artistas dos mais diversos universos e origens tivessem se aventurado com êxito por esse cancioneiro urdido com apurado senso rítmico, melodias sinuosas e letras construídas com palavras que formam sonoridade e significados especiais.

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Djavan por eles e por elas reúne 28 gravações em que cantoras e cantores “djavaneiam” o pop jazz das Alagoas num mix de ritmos como samba, balada, toada e blues. A coletânea dupla editada pela Som Livre celebra os 60 anos do compositor, completados em 27 de janeiro de 2009.

Elas e eles expõem a obra de Djavan em tom multifacetado, explorando outras possibilidades harmônicas para os sucessos do compositor. Na ala feminina, vale destacar a gravação emblemática de Álibi (1978) feita por Maria Bethânia, primeira grande intérprete da MPB a avalizar a obra de Djavan em escala nacional.

A canção de Djavan foi inclusive escolhida para dar título a um dos álbuns mais populares da discografia da cantora. No ano seguinte, Elis Regina (1945 1982) já imprimiria sua divisão ímpar no Samba dobrado (1978) em registro ao vivo captado na apresentação da Pimentinha no Montreux Jazz Festival de 1979 (além de soberbo, o registro é raro, tendo sido editado somente como faixa-bônus da reedição em CD do álbum com a gravação de Montreux, lançada postumamente em 1982).

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E por falar em samba, em ginga e em gravações pouco conhecidas, Daniela Mercury dá banho de suingue em outro samba de 1978, Serrado, gravado pela cantora num clima de jam session em seu CD/DVD Clássica, de 2005.

Outra estrela da música afro-baiana, Ivete Sangalo, abre o CD Djavan por elas interpretando Tanta saudade (1983), uma das bissextas parcerias de Djavan com Chico Buarque. A gravação cita no fim o Cântico para Iansã, tema afro de domínio público, levado por Ivete em ritmo de samba-de-roda.

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Em rota diversa, Beth Carvalho referência em samba traz Flor-de-lis (1976) para o quintal em que são armados os pagodes cariocas. Nesse quintal também brilha o tamborim de Mart’nália, artigo de luxo da gravação do samba Capim (1982) feita por Zizi Possi em 2001 para álbum apropriadamente intitulado Bossa.

As baladas de Djavan volta e meia ganham registros femininos que rivalizam com as gravações do compositor. Em 1980, ao gravar seu álbum Mudança dos ventos, Nana Caymmi recrutou o quarteto vocal Boca Livre então no auge artístico e da popularidade para reforçar sua sublime leitura de Meu bem-querer (1980), o grande sucesso do terceiro álbum de Djavan, Alumbramento.

No ano seguinte, Gal Costa lapidou com sua voz cristalina a melodia de Faltando um pedaço (1981), destaque do álbum Fantasia, em registro simultâneo feito pelo autor para seu quarto álbum, Seduzir, cuja faixa-título é ouvida em Djavan por elas na voz de Rosa Passos. Menos conhecidas, mas também dignas de aplausos, são as leituras de Zélia Duncan para Cigano (1989) com ligeiro sotaque flamenco condizente com a origem do tema e de Cássia Eller (1962-2001) para Pétala (1982), desfolhada em clima meio etéreo.

Se as mulheres imprimem rigor estilístico à obra do compositor, a ala masculina honra da mesma forma o cancioneiro de Djavan no CD Djavan por eles. Chico Buarque mostra em gravação de 1997 o quanto pode ser intérprete pungente ao adentrar os caminhos melódicos de A ilha (1980) música de Djavan lançada pelo Rei Roberto Carlos.

Ed Motta dá a Samurai (1982), clássico pop de Djavan, um acento soul enquanto Lenine põe seu suingue tão universal quanto nordestino no “sambaião” Maça do rosto (1976). Por sua vez, Ney Matogrosso cria reverente clima camerístico com o auxílio do piano de Luiz Avellar para cantar a amizade celebrada em Nobreza (1982).

Já Zé Renato se une ao, guitarrista Ricardo Silveira para se equilibrar nas síncopes de Fato consumado (1975), o samba que abriu as portas da indústria fonográfica para a música autoral de Djavan por conta do segundo lugar conquistado no Festival Abertura, promovido pela Rede Globo em 1975.

Djavan por eles e por elas, que tem edição de luxo e também é comemorativo aos 40 anos da Som Livre, monta rico painel de cores e estilos que reforçam a grandeza da obra de Djavan, uma das mais originais de toda a música brasileira.