Zeca Pagodinho escolhe repertório de seus CDs nas festas que promove no sítio em Xerém, na Baixada Fluminense, sob muitos litros de cerveja. Se ouve algo que lhe agrada, guarda na memória ou pede a alguém de sua equipe, como o diretor musical Rildo Hora ou o violonista Paulão 7 Cordas, que o faça. Quando selecionou Ser Humano, samba de Claudemir, Marquinho Índio e Mário Cleide que exalta o espírito solidário de quem se esmera em ajudar os mais pobres – e que acabaria por batizar seu novo disco -, ficou desconfortável: era uma homenagem a ele próprio.

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“Eu pensei: como vou cantar uma música feita pra mim? Mas não sou só eu, o brasileiro é assim. E o brasileiro está precisando dessas mensagens de paz”, diz o sambista, que há 30 anos deixou os biscates (foi feirante, apontador de jogo do bicho e camelô) para se tornar um dos nomes mais populares da música brasileira, com entrada em todas as classes sociais.

A alusão à informalidade e generosidade de Zeca, que, de bermudão e sem camisa, distribui brinquedos a crianças carentes no Natal e ovos de chocolate na Páscoa, além de prover cestas básicas a famílias miseráveis o ano todo, é facilmente identificada nos versos “tá sempre junto misturado com seu povo/ fecha com quem está sem lenço e documento/ na correria você sempre encontra tempo/ de demonstrar o que é ser gente de verdade”. A música já está nas rádios e o CD será lançado nos dias 8 e 9 de maio no Citibank Hall.

“Sou do subúrbio e lá é assim. Faço isso há 20 anos. Nos buracos onde a gente vai, ninguém vai. Mas tem também o espertalhão. Tem uma que basta me ver que diz que acabou o gás. A outra diz que acabou o remédio”, brinca Zeca, que também faz piada sobre a tal abrangência de sua música. “O rico gosta depois que bebe, né? Com samba sempre foi assim”.

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Além de Ser Humano, o CD tem outras faixas de forte apelo popular, como Samba na Cozinha (Serginho Meriti/Serginho Madureira/Claudinho Guimarães): “Tá todo mundo concentrado na cozinha/ vagabundo perde a linha quando sente o cheiro/ se queima o alho, ninguém vai botar a culpa/ pois o mestre-cuca é o cara do pandeiro”.

Na linha romântica, A Monalisa (Zé Roberto/Adilson Bispo) tem participação de Pepeu Gomes na guitarra. Parceria inusitada, o bossa-novista Marcos Valle e o bamba Luiz Carlos da Vila, que morreu há sete anos, assinam Nas Asas da Paixão, de tom e letra melancólicos. Foi Embora, parceria de Zeca com os amigos Arlindo Cruz e Sombrinha também é triste – foi feito para um amigo do trio abandonado pela mulher.

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O CD tem ainda parceria de Monarco e Mauro Diniz (Perdão, Palavra Bendita) e do trio autor dos sucessos Caviar e Dona Esponja, Marcos Diniz, Barbeirinho do Jacarezinho e Luiz Grande: Mané, Rala Peito, essa com participação de Pedro Bismark, o Nerso da Capitinga – “sou fã desse cara, vejo na Escolinha do Professor Raimundo (programa reprisado pelo Viva)”.

Coautor de vários sucessos, como Camarão que dorme a onda leva, Judia de mim, Faixa amarela, Não sou mais disso e Quem é ela, Zeca compõe cada vez menos. “Preguiça mesmo. E tem muita gente fazendo música. Eu já cheguei aqui, tenho que trazer os outros. Fiz o Quintal do Pagodinho e agora tá todo mundo aí fazendo seu show”, justifica, fazendo referência ao CD e DVD que lançou com sambas de 21 de seus compositores.

Nas festas, a competição por sua atenção é discreta, ele descreve. “Fica todo mundo ali cantando. É um jogo: quem tiver a carta maior, ganha. Eu chamo para encontrar as pessoas. Não posso ficar cinco anos isolado”. Ser Humano sai exatamente cinco anos depois de Vida da Minha Vida, o último CD de inéditas.

Ele para a entrevista para retornar a ligação da filha caçula, Maria Eduarda, de onze anos. “Ela botou o tal zap zap (o aplicavo de mensagens WhatsApp) no meu celular, mas eu não sei mexer”, admite Zeca, com certa impaciência. Integrante da lista de grandes vendedores de discos no Brasil, ele não quer saber de possibilidades digitais – nunca ouviu falar de streaming nem de download – “não manjo nada, meu filho é que cuida disso”.

Os 30 anos de carreira foram comemorados longamente com DVD e uma série de shows – “tinha gente que dizia que eu não chegaria a 30 anos de idade, e fiz 30 de carreira!” – e, passada a festa, ele colocou um dente de ouro num incisivo lateral: “Isso vem da cultura de quando eu era moleque. A malandragem do samba toda tinha”.

Ter melhorado de vida, saído do subúrbio para Xerém e de Xerém para um condomínio da Barra da Tijuca, não lhe transformou, e ele faz questão de deixar isso claro: “Na minha casa vai todo tipo de maluco, vai catador de lixo, médico, presidente da República, e todo mundo come na mesma mesa.”