Maurice Pialat (1925-2003), cuja obra será exibida na íntegra pelo CCBB, desta quarta-feira, 11, a 29 de dezembro, é um daqueles cineastas mais comentados que realmente vistos no Brasil. Dele, mesmo os cinéfilos mais atentos em geral conhecem apenas Sob o Sol de Satã e, em especial, Van Gogh. Ambos foram lançados por aqui em meados dos anos 1980 e início dos 1990 e deixaram marcas na cultura cinematográfica, digamos, mais sofisticada.
São trabalhos estupendos, é bom que se diga. Em especial Van Gogh, vivido pelo roqueiro francês Jacques Dutronc. O filme acompanha a fase final do pintor holandês em Auvers sur Oise, seu relacionamento com o irmão, Theo, e com seu médico, o Dr. Gachet, imortalizado no quadro famoso. A maneira como Pialat filma é das mais interessantes. Procura o âmbito mais descritivo, sem buscar explicações ou a psicologia do personagem. Procura como entrar na pele dele. Mas é exatamente desse despojamento intenso que nasce a emoção. Sua busca por um cantor para interpretar o artista também não é casual. Aparentemente, Pialat não queria um ator que “superinterpretasse” a figura de Van Gogh, um estereótipo do artista atormentado, que corta a própria orelha, etc.
Ou seja, uma figura da cultura já sobrecarregada de simbologia. O Van Gogh de Dutronc é discreto, foge aos clichês. E, justamente por isso, nos toca mais fundo. A sequência em que seu corpo moribundo é cuidado por mulheres do campo é nada menos que comovente.
O mesmo pode ser dito sobre Sob o Sol de Satã, com o qual Pialat ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 1987. Gérard Depardieu faz o padre Donissan, em dúvida com sua vocação. Donissan é acolhido na paróquia de uma pequena cidade do norte da França pelo abade Menou-Segrais, interpretado pelo próprio Pialat. Temos aqui os elementos básicos da religiosidade levada ao extremo, com dúvidas e mortificações e a presença perturbadora da jovem Mouchette (Sandrine Bonnaire). Sob o Sol de Satã proporcionou a Depardieu um dos grandes papéis de sua extraordinária carreira. Seu padre Donissan, febril e atormentado pelas tentações de Satã e de uma ninfeta suicidária é inesquecível.
O fato é que Pialat, apesar de sua estreia tardia, constitui-se em nome notável do cinema de autor francês dos anos 1980 e 1990. Interessante é que, contemporâneo da Nouvelle Vague, Pialat manteve-se à distância do mais conhecido movimento do cinema francês. Mesmo porque cineastas como Godard, Truffaut, Chabrol começaram jovens (e começar jovem era um dos traços de distinção do movimento), enquanto Pialat só veio a estrear em longa-metragem aos 43 anos. Infância Nua, de 1968, foi seu primeiro filme de longa-metragem – antes ele havia realizado apenas curtas, que estão no programa do CCBB. O projeto inicial era de um documentário sobre crianças da Assistência Pública francesa. Mas Pialat decidiu encaminhar-se para a ficção e criou o personagem de um garoto de 10 anos, criado por um casal um tanto idoso, e que mais tarde será enviado a uma casa de correção de menores infratores.
O CINEMA DE MAURICE PIALAT – CCBB. Rua Álvares Penteado, 112, 3113-3651. 4ª, a partir das 17 h; 5ª e 6ª, 17h30; sáb., 14 h. R$ 4. Até 29/12. www.bb.com.br/cultura
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.