Cavalheiros preferem as damas?

Os homens preferem as loiras. Ou preferiam as loiras? Eis a questão. A preferência dos homens pelas loiras foi sugerida por Anita Loos (1889-1881), criadora da personagem Lorelei Lee, que deu origem ao estigma de as loiras serem burras. A escritora americana apimentou a questão dizendo que os homens preferem as loiras, mas casam com as morenas. E, adiante, quase no fim da vida, apimentou ainda mais. No pósfeminismo, os homens estavam preferindo mesmo eram os homens. As mulheres ficaram complicadas demais. Para ela, o feminismo foi um furacão na cabeça deles, que ficaram diferentes, assustados e acuados. E começaram a cair uns nos braços dos outros.

‘Os homens são fracos e necessitam ter certeza de serem queridos e agora que estão cada vez menos adulados pelo sexo oposto, voltam-se uns para os outros. E, hoje, apesar de as moças parecerem rapazes, continuam incapazes de dar aos homens a afeição que sentem do próprio sexo. Cada vez menos os homens querem saber de mulheres. Mais e mais os cavalheiros preferem os cavalheiros’. Certa ou não, Loos fez fama com afirmações do gênero.

Para Loos, apesar do estardalhaço que os homens fazem quando o assunto é mulher, a verdade é que empacaram. O feminismo bagunçou a área. Baseada no velho empirismo, Loos diz que cresce o número de homens procurando homens. Os travestis de quaisquer cidades grandes contam histórias arrepiantes, basta ter paciência para ouvir. Assim, a história de Ronaldo do Corinthians não é isolada. Mas o mais assustador é que a afirmação de Loos é dos anos 70, no lançamento de Kiss Hollywood Good (Viking Press, 1974). Se levar em conta que de lá para cá as coisas pioraram, é possível conjeturar que o terceiro sexo virou o primeiro e não assume o ônus. O primeiro está em terceiro. E a mulher em segundo, mais uma vez. Pode ser exagero. O problema não é esse. O problema é se não for exagero.

Loos tomou por base ambientes em que as coisas são liberais. Hollywood e Nova York. O mundo não é um galinheiro, mas um observador atento percebe que tem homens soltando a franga em qualquer lugar. Talvez Loos se sentisse à vontade para generalizar, porque Hollywood era a versão moderna de Sodoma ou Gomorra. E a escritora fez furor na meca do cinema por ser a primeira mulher a falar de sexo com humor e sátira. Ela conhecia as mulheres. Tinha frases deliciosas: ‘Se você me beijar a mão, vou me sentir muito bem. Mas um bracelete de diamantes dura para sempre’. E conhecia os homens, como se percebe pelo diagnóstico sobre o impacto do feminismo na cabeça deles.

Loos impressionava. Com frases apimentadas ou com obras. Seu nome aparece nos créditos de 134 filmes e dez peças na Broadway. Escreveu quatro romances e um livro de não-ficção. Um dos romances, Gentlemen Prefer Blondes (Os cavalheiros preferem as louras deu origem ao filme Os homens preferem as loiras) teria sido o último que Joyce leu com prazer antes de ficar cego. O livro era o preferido da família real inglesa. E de quebra vendeu algumas dezenas de milhões de exemplares. Não estamos diante de uma dona qualquer.

Joyce não foi o único a se interessar por Loos. Bernard Shaw, Virgínia Wolf, Aldous Huxley, Lytton Strachey, George Jean Nathan e H. L. Mencken também. Huxley enviou carta tiete: ‘Não tenho desculpa para escrever, exceto para dizer que adorei o seu romance’. Os homens, ao contrário das mulheres, são previsíveis. Talvez por isso ela não embarcou na teoria feminista. Loos gostava do jogo antigo e eficiente de mulher submissa, no qual os homens pensavam mandar, mas não davam passo sem perguntar a elas se podiam ir em frente. Hoje em dia os dois vão em frente sem perguntar onde, mas não sabem em que terreno pisam. A fórmula pré-feminismo funcionava melhor que agitar calcinhas em passeatas e reverberar teorias igualitárias entre sexos.

Na vida real, Loos confirmava a teoria. Foi casada com John Emerson a quem sustentou durante toda a vida, incluindo 18 anos em que ele ficou num sanatório e os anteriores em que ele rapinava os direitos autorais e, outras fontes de renda dela, investindo em ações e propriedades em nome dele. Ela achava divertido. Qualquer feminista de plantão diria que se tratava de uma idiota – e ele um gigolô. Loos vez e outra se espairecia com efêmeras infidelidades. Uma delas com Irving Thalberg, que inspirou Fitzgerald a escrever o Último Magnata e morreu de enfarte antes dos 40. Thalberg foi quem transformou o cinema numa profissão respeitável, diz Loos. Antes era suruba circense.

Loos traduz sem glamour as entranhas de Hollywood nas primeiras décadas do século XX. David W. Griffith não foi o cineasta que construía nova arte e lenda. Ele estava pouco se lixando para a linguagem cinematográfica. Ele se considerava homem de teatro desterrado numa terra de gente estranha, sem cultura e sem moral. Um sentimento, aliás, compartilhado por cineastas europeus como Charles Chaplin e Eric von Stroheim, que achavam a última parte interessante.

Sobre o recolhimento de Greta Garbo, Loos diz que o mito veio depois. Nos anos 20 e 30, Greta desfilava faceira com suas amantes Salka Viertel ou Mercedes de Acosta. Quando ficou sozinha, a atriz se deprimiu e se recolheu – e ainda assim se enroscou com Cécile de Rothschild. Por isso isolamento e discrição. Não havia mito. As damas, às vezes, preferem as damas. O famoso ‘i want to be alone’ virou lenda. Loos conta que Clark Gable, casado com Carole Lombard, tinha ejaculação precoce. Carole quis consertar o negócio. E numa festa soube duma fórmula segundo a qual bastava encher a boca com pastilhas de menta e fazer algo bucal, que o sujeito segurava a onda por mais tempo. Gable dormia e quando sentiu um arrepio estranho na bisnaga levou susto tão grande que deslocou o tornozelo. O mundo real, às vezes, é hilariante.

Loos, como toda mulher inteligente, sabia ser cruel. Ao contar o fim do casamento de Yvone e Maurice Chevalier, que superou o vício da heroína por conta do esforço da patroa, foi tirana. O francês se apaixonou por uma bela atriz. O nome Loos não contava nem morta, porque ‘Claudette nunca me perdoaria’. Claudette Colbert ficou uma fera quando soube. Hollywood era um bacanal bacana. A oferta era grande. Mães ambiciosas, doidas para verem as filhas estrelando alguma coisa,  levavam garotinhas de 12 e 13 anos de todasas partes dos Estados Unidos para serem analisadas. Os chefes dos estúdios usavam da maneira que queriam. Harry Cohn, da Colúmbia, ficou mestre nisso. Os demais preferiam safras mais maduras.

Loos conta a morte de Jean Harlow antes dos 30. Algo tão inverossímil que nem Hollywood foi capaz de produzir. A loira teve complicação renal, que se transformou em uremia, na época incurável. Se levada a tempo ao hospital poderia ser salva. Mas Loos argumenta que Harlow, depois de passar de mão em mão em Hollywood, casou-se com um produtor impotente, Paul Bern. O cara se suicidou porque tinha uma dona de primeira e um membro de terceira -terceira idade. Harlow desistiu de sexo até encontrar William Powell. Ela se apaixonou, mas o sujeito refugou porque saía de um caso com Carole Lombard, que preferiu Clark Gable, o das pastilhas de menta. Harlow não suportou a rejeição e  preferiu morrer de amor. É algo inverossímil que pega até mal para a reputação devassa de Hollywood. Loos não se preocupa em impressionar. Relata fatos. Por isso sua frase sobre a decadência da preferência dos homens pode ser coisa séria.

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