Para além dos ciprestes que rodeavam o castelo, estendia-se a pradaria verdejante. O ar fresco da tarde, buliçoso e convidativo, brincava com as cortinas do aposento do piso superior.
Thomas, no verdor de seus onze anos, surpreendia e assustava as pessoas com suas atitudes de adulto. Acabara de aprontar-se, sabedor de que Vívian, sua linda pagem de dezoito anos, era pontual e devia estar chegando para buscá-lo para o costumeiro passeio a cavalo. O menino, na verdade, não estava de todo pronto. Culote impecável em cáqui, recortes em couro na altura da coxa, contrastando com a casaca preta, camisa branca pregueada e quepe preto aveludado, que deixava transparecer a borda em veludo vermelho. Botas de cano alto, até o joelho. Quando a moça bateu na porta e entrou, ele serenamente caminhou em sua direção, entregando-lhe a gravata para que ela a colocasse nele.
– Você está especialmente linda, hoje, com esse traje novo! – disse Thomas. O tom carmim de sua casaca cinturada assentou-lhe muito bem, principalmente por causa do contraste com a cor clara do culote, que emoldura fielmente essa silhueta de deusa. Ah! Que lindas botas! Deixe-me ajeitar-lhe o quepe!
De frente um para o outro, com os rostos muito próximos, enquanto ela tentava dar o laço na gravata, ele, num ímpeto de inexplicável e precoce sensualidade, roçou suavemente os lábios na acetinada face dela, pertinho da boca. Sem nada dizer, ela afastou-se delicadamente, em atitude defensiva.
– Venha aqui, princesa – disse ele, puxando-a pela mão em direção à janela. Olhe que tarde linda vamos ter!
Do alto de sua janela, descortinava-se deslumbrante espetáculo de luzes e de cores no horizonte, iluminando a vasta propriedade com os derradeiros raios de sol. Enquanto apreciavam extasiados aquela cena bucólica, ele distraidamente enlaçou a fina cintura da moça, com meiguice mas com firmeza. Ela, porém, fingindo naturalidade, desvencilhou-se de seus braços, dizendo:
– Thomas, está ficando tarde para nosso passeio. Vamos? Os cavalos já estão encilhados!
– Só vou, se me der um beijo!
Ela, então, beijou-o furtivamente na face e disse:
– Agora, vamos! Quem chegar por último é mulher do padre! E saiu correndo, escada abaixo.
Dava gosto cavalgar numa tarde assim! Dois garbosos ginetes da raça lusitana, o de Vívian era branco, o de Thomas, alazão. Ambos arreados com requinte, sela inglesa, bridão com rédea de couro macio, crina trançada. Fogosos e bonitos!
Cavalgaram graciosamente, com passos elegantes, pela pradaria e apostaram corrida em alguns pontos. Próximo ao rio, apearam. Ele jogava pedrinhas na água cristalina, obtendo um ruído característico que o divertia. Ela, tendo retirado o quepe, deixava que a brisa vespertina lhe acariciasse os loiros cabelos.
– Thomas, é hora de voltarmos. Já começa a escurecer!
– Assim é mais excitante… – disse ele, como num sonho, fitando-a com semblante sério. Aliás, eu tenho uma pergunta a lhe fazer, minha princesa. Você conhece, por acaso, coisa mais excitante do que cavalgar?
– Deixe de estórias, Thomas! – disse ela, pondo o pé esquerdo no estribo e, num gesto gracioso, acomodou-se na sela. Vamos voltar, antes que escureça!
Voltaram ao castelo, a galope, entre gracejos e risadas, apostando corrida, vez ou outra. Chegaram e apearam de suas cavalgaduras. A noite tingira de preto o horizonte, totalmente.
No saguão do castelo, quando passavam por trás de uma coluna, ele de novo enlaçou-a com o braço e, olhar fixo nos verdes olhos dela, disse-lhe gravemente:
– Vívian, eu quero casar com você!
– Tome juízo nessa cabecinha, menino!
– Eu não sou menino!
– Então, é o quê?
Dizendo isso, a moça desvencilhou-se dele e subiu as escadas correndo:
– Quem chegar por último é mulher do padre!
Chegando ao segundo pavimento, percebeu que Thomas não subira as escadas atrás dela. Então escutou um tropel e foi olhar da janela.
Estupefata, viu o menino montando seu alazão em disparada, a casaca esvoaçante, rumo às barrancas do rio.
– Thomas! Thomas! Gritava ela ensandecida, tonta de terror. – O que aconteceu? Está louco? Aonde você vai?
Ele nem sequer olhou para trás. Um vulto só, unindo cavalo e cavaleiro, sumiu, galopando na escuridão da noite.
Albino de Brito Freire
é da Academia Paranaense de Letras e da Escola da Magistratura.