Depois de sobreviver a dois incêndios e passar por uma reforma completa, que levou quase dois anos e consumiu mais de R$ 770 mil, o primeiro imóvel da Rua Claudino dos Santos, a Casa Hoffmann (construída em 1890) reabre as portas oficialmente hoje, já como Centro de Estudos do Movimento. Será o espaço da Fundação Cultural de Curitiba dedicado ao estudo das manifestações corporais, como a exploração do movimento, crítica da dança, estética, filosofia, circo e design cênico. A curadoria será da companhia Chamecki-Lerner.
E foi precisamente a escolha dessa companhia que tem provocado dores-de-cabeça adicionais ao presidente da Fundação, Cassio Chamecki. Por motivos óbvios, ou hereditários: contratada por R$ 100 mil até o final do ano, a Chamecki-Lerner tem sede em Nova York e é dirigida pelas bailarinas Rosane Chamecki (prima longínqua de Cassio) e Andrea Lerner (filha do ex-governador Jaime Lerner). Parte da classe artística e vereadores, como Paulinho Lamarca (PT), pediram explicações à fundação, por considerar a transação suspeita. Lamarca chegou a reunir-se com Chamecki, e deve receber um documento por escrito nos próximos dias.
O presidente da Fundação Cultural deu suas explicações ontem ao Almanaque, por telefone. Ele disse que a idéia original era criar uma Escola de Dança no espaço, tendo à frente o bailarino e coreógrafo norte-americano Richard Kragun, que durante 38 anos foi o primeiro bailarino do Stuttgart Ballet, na Alemanha. “Mas ele foi pro Rio de Janeiro, e o projeto não vingou. Aí nos demos conta de que não valia a pena ter uma escola de balé atrelada ao município. Tínhamos condições de sair na frente: criar um centro de excelência, com o que de melhor está acontecendo no mundo em termos de expressão corporal, e que não fosse restrito à dança. Foi então que, conversando com a Rosane e a Andrea, surgiu o conceito do movimento.”
Segundo ele, a companhia Chamecki-Lerner seria a que está mais antenada com a produção artística mundial na área. “E são duas bailarinas aqui de Curitiba, que nunca perderam o vínculo com a cidade, estão em contato permanente com a classe artística local – além de desenvolverem um supertrabalho”, reforça. “Nada mais justo que retornem à cidade.” E o parentesco? “O bisavô da Rosane era irmão do meu bisavô. Ou seja, é muito distante. Quanto à Andrea, é filha do ex-governador. Que não tem mais nenhum vínculo com o Estado. Eu não deixaria de tê-las aqui só por ter o mesmo sobrenome”.
Denise Stoklos
Questionado se não havia outra pessoa ou companhia com as mesmas características (como a performer iratiense Denise Stoklos), Cassio Chamecki respondeu: “A Denise talvez até aceitasse, mas está um pouco fora do que eu imaginei para o centro. Com os conhecimentos e contatos que tenho hoje, afirmo categoricamente que o briefing da Chamecki-Lerner é o mais adequado para o Centro de Estudos do Movimento”. Ele vai além: “Não posso ficar refém desse tipo de situação. Foi feito um superinvestimento, o espaço vai ajudar a revitalizar todo o Largo da Ordem, e faço questão de que seja feito um trabalho de extrema qualidade. Procuramos dar o melhor para a cidade”.
Quanto ao valor do contrato – R$ 100 mil até o final de 2003, conforme publicado no Diário Oficial do Município de 13 de maio – ele afirma que foi resultado de uma “negociação árdua”: “Esse valor engloba todas as despesas que a companhia terá até o final do ano, entre viagens, ligações, envio e transporte de materiais, hospedagem e a própria remuneração. Elas não vão me pedir mais nenhuma passagem”, observa. “Estamos criando um centro de referência internacional pelo valor equivalente a 30 mil dólares – muito aquém até do mercado brasileiro. A proposta inicial delas era de um valor bem mais alto”, diz, sem revelar quanto.
Outra vantagem levantada por Chamecki para a curadoria Chamecki-Lerner são os contatos e o prestígio da companhia, que vão terminar por baratear os custos nas negociações internacionais: “Elas farão os contatos diretamente com as pessoas -bailarinos, coreógrafos, professores – e vão ajudar na negociação dos cachês. Com o nome que elas têm, ficará muito mais fácil”.
Mostra de vídeo abre programação
A primeira programação do Centro de Estudos do Movimento, que acontece de hoje a sábado, das 17h30 às 20h30, é uma Mostra Comentada de Vídeo, com o artista carioca Leonel Brum. Serão analisados os programas Dança Brasil e Dançativa.
Em sua edição de 2003, o Dança Brasil, do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, promoveu pela primeira vez um programa que, por sua natureza, mereceu o título de Painel Brasil. Iniciativa inédita, ele resulta num retrato sem retoques da produção brasileira atual e uma tentativa de um primeiro mapeamento dessa produção.
É nessa condição que o Painel Brasil se oferece como um incentivo ao debate em torno do presente e futuro do encontro entre a dança e o vídeo no País, seus fundamentos estéticos e suas realidades de produção e exibição. A programação do Painel Brasil foi composta por Leonel Brum e Paulo Caldas e a edição de vídeo, por Rodrigo Raposo.
O programa Dançativa convidou vários grupos brasileiros de dança contemporânea, nos anos de 1998 e 1999, para cumprir curtas temporadas em teatros da cidade do Rio de Janeiro. Produziu documentários de TV sobre cada grupo selecionado e, posteriormente, os veiculou pelo canal Multishow. O projeto recebeu ainda a indicação ao Prêmio RioDança Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, como destaque de Produção/Evento de 1999.
Sarah Michelson
A programação de cursos da Casa Hoffmann começa na próxima semana, com a vinda da bailarina Sarah Michelson, que desponta nos Estados Unidos como a principal representante da nova geração de coreógrafos americanos. O workshop, voltado ao trabalho de desinibição performática, será realizado de 23 de junho a 11 de julho, de segunda a sexta-feira, das 14h às 18h. De 7 a 11 de julho, Sarah orienta também um curso especial para adolescentes.
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Mais informações pelo telefone (41) 321-3313.