Cinema nacional

Casa Grande é filme favorito para troféu Redentor no Rio

Existem filmes bons, interessantes, assim como existem os equivocados na competição do Festival do Rio, mas se o júri presidido por Karim Aïnouz fizer a coisa certa não terá muito como fugir à evidência que se impõe – Casa Grande, de Fellipe Barbosa, levará o Redentor de melhor filme no evento deste ano. É o primeiro longa de ficção do jovem diretor que ganhou projeção com o curta Beijo de Sal, de 2006, premiado em vários festivais no País e no exterior, e que também venceu o Festival de Hamptons, nos EUA, com seu documentário Laura. A produção é da Migdal, de Iafa Britz, produtora que acumula recordes de bilheteria – Nosso Lar e Minha Mãe É Uma Peça, o Filme – e agora se exercita com uma obra de recorte mais autoral. E viva a diversidade do cinema brasileiro!

Casa Grande não se assemelha a nenhum outro filme recente da produção brasileira. Talvez dialogue com O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, na exposição das tensões que corroem o tecido social brasileiro. Fellipe Barbosa encara o desafio de colocar na tela a nova reconfiguração social da classe média alta em tempos de transformação econômica. Seu filme conta a história de uma família que decai moral e financeiramente. Pai e mãe, embora falidos, se esforçam para esconder o fato dos filhos. O garoto continua estudando num colégio tradicional. O primeiro choque vem com a demissão do motorista. O garoto é forçado a fazer sua descoberta da cidade, tomando o ônibus.

Parece pouca coisa, mas é fundamental. O Som ao Redor ficava quase todo dentro daquele condomínio, mesmo que a solução viesse por meio de um conflito que remontava a outro mundo. O garoto de Casa Grande se aventura pela cidade. Conhece o asfalto, a favela. Fica com uma menina, reencontra o ex-motorista da família e uma das copeiras. Ambos foram demitidos, e ele entra na Justiça por seus direitos, o que afunda ainda mais a situação familiar (mas o garoto não sabe disso). No processo, o menino vira homem, e o filme termina inconclusivo. Qual será o próximo passo nessa história toda?

Fellipe Barbosa, também roteirista, fez um estudo de personagens que também conta (muito bem) sua história e ainda dá conta da crise entre patrões e empregados que, sob múltiplos aspectos, só tem feito acentuar problemas familiares e sociais no País. Seu retrato de uma classe deslocada da realidade é muito forte. Há um Brasil para o qual tudo o que não for familiar é estranho e ameaçador. Seria um tratado sociológico se dramaturgia e estética não jogassem Casa Grande lá no alto – o que não ocorre, por exemplo, só para efeito de comparação, com o grego Miss Simpatia, em cartaz nos cinemas.

O filme de Barbosa colocou a competição do Rio num patamar bem elevado. Poucos filmes estão na mesma levada – Ausência, de Chico Teixeira, Obra, de Gregório Graziosi (embora, nos bastidores, o entusiasmo pelo segundo seja considerado coisa de ‘paulista’). O festival exibiu, no fim de semana, o documentário Favela Gay, de Rodrigo Felha, e a ficção O Outro Lado do Paraíso, de André Ristum, baseada no livro de Luiz Fernando Emediato. Favela Gay conta casos exemplares de aceitação e superação nas comunidades cariocas.

Em meios machistas e violentos, qual o espaço do gay, da lésbica? É um debate que tem estado em destaque e até virou tópico da eleição presidencial. Felha fez um filme sobre pessoas. Encara temas como a prostituição – o mercado discrimina trans, que sobrevivem na economia informal. Muitos são rejeitados pela família, mas para alguns felizardos o apoio familiar é tudo. Cacá Diegues e Renata Magalhães lhe deram o suporte da produtora Luz Mágica para concluir seu trabalho.

O Outro Lado do Paraíso passa-se em Brasília, no começo dos anos 1960. O golpe militar é visto do ângulo de um garoto – o pai do jornalista e escritor – que foi um herói anônimo durante aquele furacão que varreu o Brasil. A inserção de material de época é interessante, o elenco é bom, mas o filme, com todas as suas qualidades, apenas pincela uma realidade que permanece rasa. Não decola. Duas atrações estrangeiras, para concluir – o documentário Maidan, do russo Sergei Loznitsa, sobre a situação na Ucrânia, e a nova fantasia de Joe Dante, Burying the Ex, sobre morta-viva que vem atormentar o ex-namorado.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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