Na época em que a ditadura agonizava e surgiam no horizonte os primeiros sinais de abertura política, um grupo de amigos, todos colegas no colégio Equipe, decidiu abrir, em 1982, um ateliê coletivo de pintura que faria história, o Casa 7, assim chamado por ocupar a casa de número 7 na vila da Rua Cristiano Viana, 356, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Dele saíram cinco artistas hoje consagrados não só no Brasil como no exterior: Rodrigo Andrade, Carlito Carvalhosa, Fábio Miguez, Paulo Monteiro e Nuno Ramos. Como homenagem ao grupo, que ocupou a Casa 7 entre 1982 e 1985, a Galeria Bergamin organizou uma exposição com 20 trabalhos desses artistas, convidando o crítico Tiago Mesquita para assumir a curadoria da mostra, que foi aberta sábado, 25, e segue até dezembro.
Mais do que um grupo, o Casa 7 foi um ateliê – “antes de qualquer coisa”, lembra o curador. Um ateliê sobretudo voltado para a discussão teórica entre seus integrantes e a prática da pintura, que, nesse momento, ressurgia com força nos países europeus, após a avalanche da arte conceitual nos anos 1970. A pintura foi retomada com especial ênfase na Alemanha, que registrava a emergência dos “novos selvagens” – Georg Baselitz, Mark Lüpertz, Sigmar Polke e A. R. Penck, entre outros. E não só na Europa. O herói do quinteto da Casa 7 era o canadense Philip Guston (1913-1980), pintor da primeira geração dos expressionistas abstratos americanos que liderou a transição para a pintura neoexpressionista, voltando à figuração pouco antes de morrer, em Woodstock, Nova York, aos 66 anos.
“Guston foi certamente uma figura decisiva para o grupo”, afirma Tiago Mesquita. Os cinco participantes do Casa 7 confirmam seu nome como a principal referência do grupo. “Guston ainda é uma presença forte”, diz Nuno Ramos, seguido por Rodrigo Andrade. “Para quem gostava de ler quadrinhos, como eu, e, ao mesmo tempo, adorava Morandi, Guston era a síntese ideal, pois atendia nossas aspirações”, justifica Rodrigo Andrade.
Hoje na faixa entre 52 e 54 anos, os cinco integrantes do Casa 7 alugavam o imóvel dos pais de Rodrigo, militantes perseguidos pelo regime, transformando-o num ateliê de referência frequentado por críticos como Alberto Tassinari e Rodrigo Naves, dois entre os primeiros a escrever sobre o trabalho dos artistas, então caracterizado por uma pintura densa, matérica. O rótulo Geração 80, assim chamada após uma exposição no Parque Lage, em 1984, não colou nos paulistas, mas eles ficaram amigos de alguns artistas que participaram da mostra, entre eles Jorge Guinle (1947-1987) e Leda Catunda. “A Casa 7 foi uma reação ao hedonismo da Geração 80, uma pintura pesada, de aspecto trágico”, define o curador.
Embora não fosse um centro de arte, o ateliê atraía jovens pintores e provocava discussões, chamando a atenção de três galeristas atuantes no embrionário mercado de arte paulistano da época: João Sattamini, Paulo Figueiredo e Raquel Arnaud. A primeira coletiva do grupo foi em 1983, no Paço das Artes, mas a exposição que, efetivamente, lançou o ateliê foi promovida um ano depois, pela crítica Aracy Amaral, no MAC. Em 1985, a consagração: o Casa 7 é convidado a expor na 18.ª Bienal de São Paulo.
A mostra foi marcada pela polêmica montagem da “Grande Tela”, da curadora Sheila Leirner, que enfileirou em três corredores de 100 metros de extensão pinturas neoexpressionistas de brasileiros e estrangeiros, quase sem separação entre elas, provocando a reação dos participantes de fora, que viram na iniciativa uma crítica indireta à uniformização da linguagem pictórica e uma tentativa de diluir a autoria. Coincidência ou não, foi o último ano da Casa 7. De 1986 em diante, os cinco artistas partem para carreiras individuais.
“Contudo, a Bienal foi uma experiência pública muito forte, bacana”, admite Rodrigo Andrade. “Foi uma felicidade, mas logo veio a decepção, pois o discurso da curadoria era ambíguo: afinal, era tudo igual?”, observa o pintor Fábio Miguez, que, na época, a exemplo dos outros integrantes do grupo, esqueceu um pouco os neoexpressionistas e voltou seus olhos para a arte contemporânea brasileira. “Não deixamos de gostar dos alemães, mas aprendemos a ver a arte de Antonio Dias, Amilcar de Castro, Cildo Meireles, Fajardo, José Resende e Mira Schendel, entre outros.”
O contato com esses artistas, conta Paulo Monteiro, foi essencial para orientar seus novos rumos e também dos colegas. “Já tinha admiração pela Mira, pelo Fajardo, a arte povera e acabei me aproximando da arte neoconcreta, que já curtia ao frequentar o ateliê do Sérgio Fingerman”. Essa mudança se reflete até mesmo na escolha dos materiais. Nuno começa suas experiências com cal, Rodrigo Andrade passa a pintar sobre painéis de papel kraft e Carlito Carvalhosa ousa ao trabalhar com cera. “Ao ganhar o prêmio do Salão Nacional, em 1986, passei a experimentar materiais como madeira e porcelana, mas nunca esquecendo a pintura”, diz Carlito, que já expôs no MoMA de Nova York (em 2011). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.