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Cartas para Fernanda Montenegro

“Como aventura de vida”, disse Fernanda Montenegro em sua recém-lançada biografia Prólogo, Ato e Epílogo, “há um antes, um durante e um depois de Central do Brasil”. Perto dos 70, e depois de viver grandes papéis no teatro, na TV e no cinema, ela interpretou Dora, a ex-professora que escrevia cartas para analfabetos na estação ferroviária Central do Brasil, no Rio. Ganhou o Urso de Prata de melhor atriz no Festival de Berlim e foi a primeira, e única, atriz brasileira a concorrer ao Oscar.

Fernanda Montenegro faz nesta quarta-feira 90 anos – e o Estado foi à Estação da Luz, em São Paulo, para reproduzir a cena inicial de Central do Brasil. Em vez de cartas para familiares distantes, amores perdidos ou desafetos, as pessoas foram convidadas a ditar uma carta para a atriz.

Uma mesa, duas cadeiras e um cartaz dizendo: Escrevo cartas para Fernanda Montenegro. Sentei-me à espera de quem quisesse mandar uma mensagem para ela. O repórter Leandro Nunes explicava a ideia para quem lançava um olhar para aquela colocada, na passarela da estação.

A aceitação foi mais rápida do que imaginamos. Logo a servidora pública Patricia, que esperava o trem que a levaria ao aeroporto para poder voltar para casa em João Pessoa, começou, em ritmo pausado dando tempo de a repórter tomar nota: “Querida Fernanda Montenegro. Venho por meio desta agradecer a mensagem que você passou no filme Central do Brasil…”

Socorro, bancária de Fortaleza, que estava de férias em São Paulo visitando os irmãos, foi a próxima. “Quero dizer que aonde você for eu vou também. Que concordo com suas ideias e que queria dizer isso pessoalmente. Sei que você não se dobraria às recentes críticas, mas ainda assim peço que não se dobre mesmo.” Socorro se referia aos ataques de Roberto Alvim, diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte, à atriz, a quem chamou de “sórdida”.

O operador de loja Marcos, de 57 anos, foi o primeiro homem a participar. Em sua mensagem, contou que sua mãe era muito fã de Fernanda. “No coração do povo brasileiro, você é demais”, disse. Depois do seu depoimento, registramos uma sequência comovente de mensagens – de homens, principalmente.

Davi está procurando emprego, deixou a prisão e o crack recentemente e é morador de rua. Passou pela mesa com uma pasta na mão, voltou. E parou. “Vou fazer 53 anos e há muito tempo vejo suas novelas e me emociono muito. Você é muito verdadeira. (…) Você transmite muitas coisas boas para as pessoas. Que Deus prolongue ainda mais os seus dias. (…) Apesar dos meus problemas particulares, senti vontade de dar os parabéns. (…) Senti no coração que devia falar isso para você.”

Silvano, de 41 anos e vivendo quase na mesma situação de Davi (mas ele tem dois trabalhos), se emocionou já ao ler o cartaz. Ele contou que, antes de o filme de Walter Salles estrear em 1998, conseguiu um bico no Rio e, dentro da Central do Brasil, viu uma fila. Achou que podia ser doação de comida ou de roupa, mas não – era alguém escrevendo cartas para pessoas que não sabiam escrever.

Cerca de um ano e meio depois, reviu a cena vivida no filme e caiu no choro, como agora, enquanto ele relembra este momento de sua vida. Pergunto por que o filme o tocou tanto, para além dessa coincidência.

“O filme fala da discriminação social que tem muito no Brasil ainda. Bom, naquele tempo tinha muito mais. Hoje, os direitos humanos nos ajudam. E também porque fala de pessoas em situação de vulnerabilidade, que não têm condição de ter o básico: um banho, uma alimentação e uma dormida digna. Isso me dói. Quando vi a placa aqui, quis deixar o meu registro”, ditou.

Questiono se ele quer dizer algo mais pelo aniversário de Fernanda Montenegro e ele fica surpreso, aliviado mesmo. Diz que achou que ela não estava mais aqui, e justifica explicando que é ex-usuário de droga, que passou um tempo ausente. “Fernanda, você é muito linda, maravilhosa. Cresci vendo você. Seja feliz. (…) Parabéns por ser essa brilhante atriz que mostra a realidade para todos nós.”

A representante comercial Cáritas, de 50 anos, também se emociona já ao se sentar. “Agradeço pelo carinho e dedicação à arte. (…) Desejo alegria, saúde e força para continuar sendo a nossa voz. Obrigada por não se calar diante das injustiças.”
Gabriela, de 21 anos, estudante de Direito, respirou fundo e: “Querida Fernanda. Que da arte você seja sempre semente”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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