O Brasil tem muito mais a ver com Franz Kafka do que se pode imaginar. Sabe-se que o escritor descreveu situações absurdas, mostrou as armadilhas da burocracia, criticou formas despóticas de poder. Mas não são apenas esses os pontos de contato entre a ficção do autor e o País. Ao menos, não são esses os aspectos que Denise Stoklos resolveu destacar em seu próximo espetáculo.
Com estreia prometida para o dia 23, Carta ao Pai apóia-se no livro homônimo, aproximando-o de mazelas atuais por um viés específico. “Neste livro, Kafka é espancado moralmente pelo pai. Mas eu não vou falar daquele homem que foi submetido à opressão do pai”, comenta a atriz, que falou à reportagem em primeira mão sobre a nova obra. “Se fizermos uma aproximação, quem está sendo espancado hoje é também o ente brasileiro, o ser social que vem sendo espancado pelo seu pai que é o Estado, é a própria sua origem.”
Escrito em 1919 e só publicado postumamente, Carta ao Pai é um longo desabafo do artista sobre a tumultuada relação que manteve com o pai, um autoritário comerciante judeu. Na abordagem escolhida por Denise, o que deve ir ao palco transcende a temática original. “Em Kafka, são tantas as possibilidades de aproximação que qualquer coisa que você faça sempre resulta em apenas mais uma leitura”, diz ela, que também responde pela direção e pela dramaturgia da criação. “O que fiz foi escolher alguns fragmentos e ir criando um roteiro para que tudo faça sentido também para quem não conhece a obra.”
As adaptações feitas por Stoklos justificam-se se observadas em relação à sua trajetória. Com 45 anos de carreira dedicados exclusivamente aos palcos – nada de filmes ou televisão – a performer é também a criadora de uma técnica que ela denomina: “teatro essencial”.
Dentro dessa perspectiva, o intérprete entrega o personagem sem lançar mão da representação ou da fantasia. “Para interpretar o padre Antônio Vieira, por exemplo, não usava uma batina nem trejeitos de 1600”, argumenta. “Era a partir de como aquele texto batia em mim que eu ia construindo o espetáculo.” Tudo o que vai à cena é dito com simplicidade. Depende do domínio do corpo, dos gestos. E, não se pode deixar de ressaltar, surge filtrado por um viés político.
CARTA AO PAI – Sesc Consolação. Teatro Anchieta. R. Dr. Vila Nova, 245, 3258-3830. De 24/8 a 29/9 – 6.ª, 21 h; sáb., 20 h; dom., 18 h. R$ 32.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.