A atriz Carolina Dieckmann tinha 20 anos quando protagonizou uma cena que logo se tornaria icônica na teledramaturgia brasileira. É quando Camila, sua personagem em “Laços de Família” (Globo, 2000-2001), raspa todo o cabelo que começava a cair em tufos após ela se submeter a quimioterapia para tratar uma leucemia.
O momento, que tem como fundo a música “Love By Grace”, de Lara Fabian, está programado para ir ao ar novamente, na tarde desta segunda-feira (8), na reapresentação da trama de Manoel Carlos, no Vale a Pena Ver de Novo. “Tinha que ficar olhando ali para a câmera, mas eu me lembro, na minha visão lateral, dos olhares das pessoas vendo aquilo, e se emocionando comigo. E todo mundo com muito afeto. Era um silêncio [das pessoas] no estúdio, ninguém queria nem respirar, sabe”, relembra ela, em entrevista à reportagem.
VEJA TAMBÉM: Resumo de “Laços de Família”
A atriz afirma que até hoje é reconhecida e abordada pelo público devido à novela. “Quando acabou, as pessoas me encontravam e falavam que a filha voltara a comer por causa de Camila, outra relatava que tinha raspado a cabeça sem sofrer com o exemplo dela. E até hoje me param para falar do impacto de Camila na vida delas, principalmente essas pessoas que tiveram parentes e amigos com câncer”, diz.
Ela acrescenta que rasparia o cabelo novamente se um papel exigisse a ação. “Faria tudo de novo e um pouco mais. Sempre penso que posso fazer mais, meu corpo está muito ligado ao meu trabalho.” Para Dieckmann, toda a experiência de dar vida à personagem, que começa sendo odiada pelo público por “roubar o namorado da mãe” e, depois, passa por momentos muito difíceis ao receber o diagnóstico da leucemia, “foi muito transformadora” para ela como atriz e como pessoa.
“Eu lembro que, na época de Camila, eu nunca tinha conhecido ninguém com câncer, que tivesse feito quimioterapia. Era muito nova, e era difícil imaginar tudo isso e me colocar no lugar de Camila”, relata.
Morando nos Estados Unidos, Dieckmann afirma que tem acompanhado alguns capítulos da reprise da novela, até mais do que quando “Laços de Família” foi ao ar da primeira vez -na ocasião, afirma, o ritmo das gravações era intenso e o seu tempo livre era dedicado ao filho Davi, que tinha um ano.
LEIA MAIS: “O Bem Amado” e “Porto dos Milagres” estreiam no Globoplay
E, afinal, ela pensa que a Camila traiu a mãe, Helena (Vera Fischer), ao ficar com Edu (Reynaldo Gianecchini)? A atriz afirma ser “muito difícil julgar”, porque não vê maldade nas ações da jovem. Ela defende que a personagem realmente se apaixona por Edu, e que ele vai se encantando por ela. “Me vejo hoje mais próxima de Helena. Eu faria exatamente a mesma coisa. Abrimos mão de qualquer coisa por um filho, inclusive, de um amor”, diz. No enredo, a Helena termina o relacionamento com Edu por causa da filha.
Carolina Dieckmann completa que é “muito bom ver” que, mesmo depois de 20 anos da primeira vez em que a trama foi ao ar, ela ainda desperta em sua reprise reações na internet, com muitos memes e manifestações sobre a sua personagem. “As pessoas ainda conseguem se emocionar e ficam enfurecidas com Camila. E eu acho muito bacana.”
A reapresentação de “Laços de Família” registra até o momento média de audiência de 17 pontos no PNT (Painel Nacional de Televisão) -sua antecessora na faixa, “Êta Mundo Bom!”, terminou com média de 22 pontos (cada ponto equivale a 268.278 domicílios), mas vale lembrar que a trama de Walcyr Carrasco começou a ser exibida no auge do isolamento social, no final de abril. Em São Paulo, a trama marca 18 pontos, e no Rio de Janeiro, 20 -cada ponto equivale a 76.577 e 49.809 lares nos locais, respectivamente.
Impacto nas doações de medula óssea
O número de doadores de sangue, órgãos e medula óssea teve um aumento significativo por causa da história de Camila na novela -a cena em que o cabelo dela é raspado foi realizada para uma campanha de conscientização sobre o tema feita pela Globo.
Segundo o site Memória Globo, nas semanas que se seguiram ao capítulo final de “Laços de Família”, o Inca (Instituto Nacional do Câncer) registrou 149 novos cadastramentos de pessoas interessas em doar a medula óssea. Antes, o índice era dez por mês. Na trama, Helena engravida de Pedro (José Mayer) para gerar uma criança que possa ser doadora de medula e salvar Camila. A menina nasce e o transplante é realizado com sucesso.
Carolina Dieckmann diz acreditar que a reprise da novela possa ajudar novamente a conscientização da importância da doação. Por outro lado, ela se mostra muito preocupada com a possibilidade de haver interrupção da distribuição do medicamento bussulfano no Brasil, que é essencial para garantir a efetividade de transplantes de medula óssea.
A atriz fez um alerta em seu Instagram sobre o assunto. “É desesperador. Eu fiz aquela publicação pedindo ajuda das pessoas, pedindo que as pessoas repostassem, compartilhassem, porque é muito importante que a gente tenha esse medicamento, para que toda essa luta continue valendo a pena”, destaca.
Em nota, a Anvisa afirma que a empresa Pierre Fabre do Brasil notificou à agência sobre a descontinuação definitiva de fabricação e importação do remédio em novembro do ano passado. A agência informou que realizou reunião com a empresa em 8 de janeiro e foi informada que há estoque disponível do bussolfano até junho de 2021.
“Adicionalmente, a empresa Pierre Fabre do Brasil protocolou nova solicitação de importação em caráter excepcional, a qual se encontra atualmente em análise pela Anvisa. Dessa forma, há uma previsibilidade de estoque do produto até junho de 2022.”
Saudade da teledramaturgia
Carolina Dieckmann afirma que está com “muita saudade” de fazer novela, mas que neste momento nem consegue pensar sobre o assunto, porque morando nos Estados Unidos com a família, fica difícil se locomover até o Brasil. “Os voos estão muito complicados. É importante que a gente respeite e tente sair o mínimo possível”, diz.
O nome da atriz tem sido apontado como parte do elenco de “Quanto Mais Vida Melhor”, novela das sete que vai substituir “Salve-se Quem Puder”, ainda no primeiro semestre deste ano -a sua participação na trama não é confirmada pela Globo. “Estou louca para todo o mundo se vacinar e para que eu possa voltar a fazer novela”, afirma ela, que faz parte de uma campanha que incentiva a imunização.
Enquanto não consegue retomar às tramas televisivas, Dieckmann mata a saudade de atuar com a Eugênia, projeto que criou ao lado da escritora Vivian Mayrink. No Instagram (@mechamade_eu), ela dá vida à personagem, que tem cabelos castanhos, três filhos e mora em Portugal.
“Essa minha amiga cronista, a Vivian, resolveu fazer um livro de crônicas, e ela me chamou para ilustrar. Quando eu li, achei que era um texto pronto, monólogos prontos, uma personagem riquíssima. E eu sugeri para ela: ‘Vivi, o que você acha de a gente fazer um Instagram para colocar essas crônicas ditas, interpretadas?”, relata.
A escritora topou e assim a iniciativa ganhou forma. “Estamos muito felizes. É realmente algo que eu consigo fazer para matar a saudade desse contato com um personagem, colocar a caracterização dela, ir para frente de uma câmera, tentar colocar a minha emoção naquele texto. É muito incrível fazer isso neste momento em que eu não posso nem fazer teatro.”
O seu outro projeto, o “Karolkê”, uma espécie de musical em que ela canta grandes sucessos, não tem data para voltar, porque vai depender da vacinação. “É um projeto que eu fiz para estar perto do público. Eu vou o tempo inteiro para a plateia, eu convido a plateia para fazer parte do espetáculo. Eu abraço, beijo. É um espetáculo feito em cima do afeto, em cima dessa troca que existe entre quem está fazendo e quem está assistindo”.
Na TV, além de “Laços de Família”, a atriz também pode ser vista como a doce Edwiges, de “Mulheres Apaixonadas” (2003), que é reprisada no Viva -foi o primeiro papel Dieckmann depois que ela fez a Camila. “Ela veio com uma leveza tão bonita, ela era uma menina tão especial. Havia a história de ela cuidar de cachorro, e a paixão dela por Cláudio [Erik Marmo]. Foi um presente”, conclui.